DOMINGO NA 8Oa. FESTA DA ACHIROPITA
Pode-se dizer que, desde o final da Copa do Mundo, Leninha tem andado em estado de graça. Corre a boca pequena que é por causa do Tavinho, filho do Seu Tião, que - coincidentemente - tem vindo com mais frequência de Piracicaba para passar os finais de semana no Bixiga.
Quando ele não está por lá, é comum vê-la na janela do quarto com aquele ar abobalhado, de quem está com o pensamento longe, muito longe. Para aqueles que se atrevem a interromper esse momento de introspecção e encantamento, perguntando se ela viu o passarinho verde, responde que está admirando as bandeirinhas que enfeitam a vila.
As bandeirinhas e fitas verdes e vermelhas não são resquício da Copa não, são um sinal de que o Bairro está em Festa. Aliás, ô gente festeira aquela que mora por lá!!
As tais bandeirolas chegam até a Rua Treze de Maio, alegrando a todos que passam a pé ou de carro. Aos finais de semana barracas enfeitadas parecem surgir do asfalto, são em torno de trinta, numa quermesse a la italiana em pleno mês de agosto, que ao invés de comidas típicas de Festa Junina, oferece culinária italiana.
A Festa de Nossa Senhora da Achiropita acontece no Bixiga desde 1926, e foi criada pela comunidade italiana para arrecadar fundos a fim de transformar sua Capela em uma Igreja. Hoje, faz parte das tradições da cidade.
Foi nesse ambiente que Leninha e a Val, sua irmã, cresceram, cercadas de muita Tarantela, fogazza, pizza, macarronada, fazendo parte de uma família que em pouco tempo soube incorporar os hábitos e o espírito alegre da vizinhança.
Ao ver aquela vila hoje em festa, impossível não lembrar de sua meninice, de quando ela com sua saia vermelha rodada, camisa branca e lencinho verde na cabeça, ficava dançando e correndo entre as barracas, de um lado pro outro, com as outras crianças.
A Festa era sempre precedida de uma Missa solene com a presença da homenageada, a Nossa Senhora da Achiropita, que em procissão pelas ruas do Bairro, parecia convidar a todos para participarem do grande acontecimento mais tarde. Tal como ocorreu no último dia 15, dia do Aniversário da Santa.
Durante o evento, tudo acontecia por lá, pessoas se conheciam, encontros eram marcados, fofocas surgiam,...aliás, foi em uma dessas ocasiões e enquanto uma sanfona tocava “Funiculí, Funiculá”, que ela beijou pela primeira vez um menino, o Betinho, filho do Seu Nicola. Uau!! Ficou semanas pensando nele, com aquele ar abestalhado de quem viu o passarinho verde!! Dna. Rosa não parava de dizer: “Acorda menina! Parece que está sempre no mundo da Lua!!”. Por um certo período ela esteve sim.
Agora parece ter voltado pra lá (pro mundo da Lua).
E não é que por conta disso se ofereceu pra ajudar a Dna. Concheta, mãe do Tavinho, na barraca de fogazza da Festa? Como assim? É público e notório que a Leninha mal sabe fritar um ovo! Se tem alguém que passa longe da cozinha, é ela.
Muito embora, os voluntários da Festa passem por um treinamento meses antes, diante do entusiasmo da moça e do pedido del suo bambino, Dna. Concheta deu um jetinho (a la brasiliana) de encaixar a Leninha.
Foi assim, que ela embarcou nessa maratona, no último domingo, ao lado das “mammas”. Por ser jovem e novata, deixaram-na cuidar da massa da fogazza, ou melhor, socar a massa até deixá-la no ponto. “Il segreto di una buona massa, consiste em mexer a massa para tirar as bolinhas de ar, para que ela fica perfeita e lisinha. Capito!”, disse Dna. Concheta, “Si, capito!” , respondeu prontamente.
Parece barbada para as pessoas normais...mas, não é fácil, é preciso habilidade, coordenação motora e paciência, aptidões que a prestativa Leninha, definitivamente não tem.
Não fosse Dna. Giovanna, a barraca da fogazza teria sido um completo fiasco. Como as tais bolinhas de ar pareciam se multiplicar na massa, Lena passou a colocar um pouco de farinha, enquanto sovava, mexia, amassava e socava (orientação da própria Dna. Concheta, “um pizzico de farina aiuta sempre”). Como elas (as tais bolinhas de ar), teimosas, permaneciam ali, para apressar o processo, passou a despejar o ingrediente aos quilos, enfarinhando a touca, o avental, o rosto, os olhos, a mesa, o chão, as pessoas ao seu redor...a massa ficou mais dura é certo, mas as bolinhas de ar....Travava essa luta insana, quando Tavinho apareceu. Ele custou a acreditar no que via, surreal demais! “Precisa de ajuda?”, falou, mal contendo o riso. “Não, essas luvas é que estão me atrapalhando um pouco”, disse meio sem graça, tentando disfarçar sua total falta de jeito.
Foi então que Dna. Giovanna entrou em ação. A pretexto de que a barraca precisava de mais pessoas para atender ao público, Leninha foi transferida de função, isto quando um apetitoso aroma de comida se espalhava pelo ar, e uma incontrolável vontade de comer ou beliscar, aumentava. Mas, como esquecer um dos mandamentos de Dna. Concheta: “Non mangiare ciò che viene servito”.“Ah, um espaguete ao sugo agora!...Onde é que eu fui me meter!”, pensava.
Agora alguém responda: Lena com fome, respirando farinha, cansada já na primeira hora, seria capaz de ser uma boa atendente? Ser simpática e cordial, seria mais do que suficiente?
Bom ela é um doce de pessoa, disso ninguém duvida, mas, com a fila da fogazza dando a volta no quarteirão, todos querendo fazer o seu pedido ao mesmo tempo, no maior empurra-empurra, talvez fosse exigir demais! “Calma, tem pra todos. Vamos pela ordem. Quem chegou primeiro?”. Uns oito gritaram a uma só vez. “Vocês querem fazer uma fila, per favore?” (ô gente esfomeada!, dizia pra si). Nesse momento, Dna. Concheta deixou a Genoveva cuidando do recheio, e veio em seu socorro.
A noite parecia serenar, quando chegou um grupo de seis pessoas. “Queremos seis fogazzas.”, “Com que recheio?”; “Tem do que?”, “Está escrito aí, bem na sua frente!” (povo que tem preguiça de ler ou é cego, pensou); “Ah, é mesmo!”, decorrido algum tempo, com mais gente esperando pra ser atendida, e já tamborilando a caneta no bloquinho de pedidos, tornou a perguntar secamente ao indeciso grupo: “E então, vão querer do quê?”, “Ai, calminha, ainda estamos pensando”, não fosse a Dna. Concheta de novo...
Nem é preciso dizer que mais de uma vez precisou recorrer à Santa, “Daí-me forças!”
É, Nossa Senhora da Achiropita não desampara ninguém! Leninha alcançou sua Graça, pois conseguiu sobreviver àquelas seis horas em pé. Quem diria? Exausta, com as pernas latejando e dormentes, estômago vazio, mas, apesar disso, quando a barraca foi fechada, sentia-se leve, invadida por uma enorme satisfação e sensação de missão cumprida. Foi mágico e emocionante quando todos os voluntários se juntaram, deram as mãos e agradeceram, inclusive, o Tavinho que ficou animando a Festa com muita música italiana. Todos estavam radiantes e felizes, apesar do cansaço.
Abraçada com ele, seguiu em silêncio para casa, naquela noite extremamente fria em São Paulo. Quem prestasse atenção, poderia ouvir uma pequena melodia ao fundo, vindo daqueles dois corações... Con te Partiró...
Shadow
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A 8Oa. Festa Nossa Senhora da Achiropita acontece nas Ruas do Bairro do Bixiga (Treze de Maio, São Vicente e Dr. Luiz Barreto), em São Paulo, aos sábados das 18 às 24h e domingos das 17:30 às 22:30h. Começou no dia 31 de julho e vai até 29 de agosto, apenas aos sábados e domingos. Os visitantes, além dos deliciosos pratos, podem também visitar o altar da Nossa Senhora da Achiropita.