segunda-feira, 14 de setembro de 2009



ATCHATCHATCHA !!!




A saga de Maya, Bahuan e Raj chegou ao fim e, uma vez que, quando se trata de novela todo mundo gosta de palpitar, não vou ficar de fora.

Confesso que não sou uma noveleira fiel, aquela que sintoniza a tv diariamente na mesma bat hora e no mesmo bat canal para acompanhar o desenrolar da trama por meses a fio. Não que isso tenha a ver com alguma postura política ou ideológica, apenas um jeito pessoal de não comprometer as noites com a mesma programação por vários meses, sou irriquieta por temperamento.

Aliás, acho engraçado esse povo que se acha politicamente correto, enche o peito para dizer que novela é o ópio do povo, nada acrescenta, aliena, deseduca e por outro lado está sempre comentando a novela da vez. Já repararam como essas pessoas estão sempre bem informadas de tudo que acontece, e quando questionadas, desconversam dizendo que foi a empregada quem comentou, ou, que estavam passando casualmente pela sala quando determinada cena estava passando?
Are baba, a quem querem enganar?

Por que será que tem gente que só vive para criticar, apontar erros e melar a diversão dos outros? Quer saber? Por quê não se atiram no poço de uma vez!

Por Lord Ganisha, quem conseguiu ficar indiferente a Caminho das Índias? Me diga, quem? Não foi preciso acompanhar capítulo a capítulo, ela estava ali na boca de todos, no bar da esquina, no escritório, na revista, no Caderno de TV do jornal de domingo. Dava pra folhear esse Caderno sem dar uma espiadinha no resumo da novela da semana? Não né!

Aliás que primor foi essa novela! Glória Perez não escreveu uma novela, mas um épico. Que coisa maravilhosa a cidade cenográfica da Globo! Rita, a minha diarista, chegou a comentar que a gente reclama da poluição do ar causada pelos carros, dos congestionamentos, engarrafamentos, má conservação das avenidas de São Paulo, mas como é que alguém pode andar naquela bagunça das ruas da Índia, onde tá tudo misturado, carros, ônibus, gente a pé, bicicletas, tucktucks, elefantes, vacas, macacos entrando e saindo das tendas que vendem frutas ao lado de lojas de tecidos e perfumes refinados. Tchalô! Vai explicar pra Rita que tudo isso foi montado no Projac!

Como os politicamente corretos de plantão, com papo intelecutalóide, podem dizer que uma produção dessas não seja séria ou que nada agregue?
 
Narrin, as lamparinas do meu juízo não conseguem alcançar tal raciocínio. 

Falando nisso, estou lembrando da sutileza com que Glória Perez foi nos introduzindo na cultura hindu, seus deuses, sua música, sua dança, seus valores, suas crenças, seus tabus, traçando um feliz e complexo contraponto com o universo ocidental, por meio de situações e personagens surgidos no Rio de Janeiro e na Lapa. Isso fez com que o público se projetasse na história, como num jogo de espelhos, a partir das diferenças culturais e de temas tão brilhantemente abordados, como a juventude transviada do Zeca e a esquizofrenia do Tarso. Ambos entraram em nossa família, em nossa casa por meio da telinha, sem pedir licença ou tocar a campainha, trazendo a sua problemática e a sua doença.

 
Quantas discussões não surgiram até a semana passada a respeito da delinquência do Zeca e de sua possível e merecida punição. E aos pais complacentes, co-partícipes e co-responsáveis pela conduta torta do filho, qual a punição mais adequada? Eles tem ou não a cara de muitas famílias de classe média, que vivem apenas e tão somente para se dar bem e satisfazer as suas vontades, sem freios, sem limites, sem noção? A punição ao Zeca não agradou? Ora, mas é aí que está a grande sacada da autora. Quando Lucinha (mãe do Cazuza), da Sociedade Viva Cazuza, diz que ele (Zeca) não tem culpa, e sim a permissividade e o comportamento tôrpe dos pais, que saíram impunes, joga no colo de todos nós a discussão sobre esse grave problema social, chamando à responsabilidade os pais pela educação dos filhos. Acho que nesse momento uma pergunta foi lançada ao vento: O que você está criando em sua casa: um monstro ou um cidadão responsável?


Da mesma forma, quantas discussões não surgiram a respeito da esquizofrenia, da bipolaridade, da doença mental? Você reparou que ela abordou o assunto na família pobre e na rica? Com que sutileza foi revelando a personalidade das duas mães! A mãe pobre que ama o seu filho e tudo faz para protegê-lo, ampará-lo, compreendê-lo, tratar a doença, empenhando-se com a sua simplicidade para que ele se sinta inteiro e feliz. A mãe rica que também ama o filho, mas em sua vaidade, não aceita a doença ao ver frustrados os planos feitos para o menino de olhos azuis, sente vergonha de que a deficiência do filho seja exposta aos outros, preferindo que ele permaneça trancado no quarto, sufocado por seus fantasmas, agravando com isso o transtorno diante da solidão e da incompreensão. As falas do Dr. Castanho foram como o alter ego do telespectador, explicando a todos nós que loucura não é contagiosa, que louco não morde, que os doentes possuem dons que devem ser estimulados, que são pessoas inteiras que sentem e percebem o mundo ao redor, que com o tratamento e medicação adequados podem ter uma vida bem próxima à normalidade, e que o amor na medida certa é o remédio para muitos males da alma.


Não bastasse isso, ainda abordou a psicopatia, pessoas aparentemente normais, que podem estar em qualquer lugar como uma sombra, causando dor, desagregação, sofrimento e manipulando situações sem qualquer sentimento de culpa, pois são incapazes de se apiedarem, de serem solidárias e de amar. Baguan kelie, e ainda os loucos e perigosos são os outros!?! Já sei, você odiou tanto quanto eu ver a Yvone livre, leve e solta, rindo da cara de todos nós, pronta pra atacar o próximo otário!! Nesse momento, teve o desejo incontido de pular pra dentro da telinha e atirá-la no Ganges. Are baba, tudo menos essa psicopata a solta! Acertei? Mas, vamos e venhamos não vai de encontro ao que vemos diariamente no noticiário do Jornal Nacional?

Pois é. É por isso que me dou ao luxo de comentar Caminho das Índias com gosto. Esse papo de que pessoas inteligentes e cultas não assistem novela, não é comigo. Quer dizer que quem assiste é alienado ou inculto? Será que não é possível compreender uma novela numa perspectiva crítica?
 

 
E a temática envolvendo a mulher no decorrer de toda a novela? Atchá! O retrato da mulher indiana, a discriminação começando no nascimento, sendo criada para o casamento, procriação de filhos homens e para servir ao seu homem. Como entender isso em pleno século XXI? Talvez tenha sido Opash quem melhor situou a dificuldade de transformação, ao dizer que é difícil arrancar convicções, ou, o Magistrado ao dizer à pequenina noiva que apesar da lei, não se consegue vencer os costumes. Porém, Glória Perez não se rendeu e apontou o caminho dentro do seu Caminho, as mudanças começam a partir das próprias mulheres, na sua luta pelo direito de trabalhar, estudar, de escolher o parceiro e de serem votadas em um pleito eleitoral. É preciso lembrar que faz apenas 77 anos que a mulher brasileira conquistou o direito ao voto, e essa mesma mulher foi mostrada nos dias de hoje emancipada, vivendo plenamente a sua sexualidade e exuberância, como no caso da Bia e da Norminha, contrapondo-se à mulher que sonha com uma Second Life, Jesus me Abana!, ou ao estilo da jovem e apaixonada Tônia, que é capaz de grandes renúncias por um amor.

 
A síntese de todas essas mulheres foi Maya em sua paixão avassaladora e transgressora por Bahuan, no enfrentamento dos tabus e da discriminação, na busca de realizar-se no trabalho, no amor e na sua condição de mulher, no amadurecimento e descobertas diante de seus segredos e dores, no florescer do amor verdadeiro e de sua sensualidade por e para Raj, na força da maternidade e na grandeza do desprendimento para proteger o seu pequenino Krishna.

Há quem ache tudo isso balela, e que nada acrescentou. Arebaguandi! Esta firanghi estrangeira entende que isso nada mais é do que pisotear a Flor de Lótus, que essa novela foi cultivando ao longo dos meses. A trama foi sem dúvida, a melhor dos últimos tempos, de uma qualidade inquestionável, que se consagra com o sucesso espetacular que obteve em todo o Brasil, as últimas semanas levaram o telespectador literalmente ao nirvana.

Expressões como
baldi, dadi, are baba, tchai, tik, tchalô, atchá estão na boca de todos. A calça envelope indiana, saias, vestidos, batas, túnicas, colares e pulseiras, moda roupa e acessórios de Caminho das Índias estão colorindo as vitrines populares do Brás e dos luxuosos Shoppings dos Jardins.


Tik ré, Carlos Drummond estava certo ao comparar esses folhetins com uma "Usina de Sonhos". Este foi um sonho construído com atores e atrizes de primeira grandeza, desde o elenco mirim, à presença e o silêncio sempre marcante e contundente de Laksmi, mais próxima a uma sólida coluna do templo, e, às palavras de dor e lágrimas de Opash na despedida ao filho que julgava morto, que a tantos emocionou. Sonho construído em meio à superação de Glória Perez e Mara Manzan, que apesar do câncer e da quimioterapia souberam lutar - na vida real - por sua obra e personagem com garra e maestria, tal qual as densas mulheres da ficção.

Shukriá, Glória por ter nos presenteado com o seu talento e sobriedade durante estes meses.

O Conto das Mil e Uma Noites acabou e ele talvez pudesse ser resumido em um dos últimos insights de Opash: "A vida não dá certeza para ninguém".


E você acompanhou Caminho das Índias? O que achou? Gostou do desfecho da novela?


Uma
auspiciosa semana a todos !!
Namasté ! ( O Deus que há em mim saúda o Deus que há em você!)



CANTINHO DAS ÍNDIAS:


Atchá: Que bom!
Atchatchatcha
: expressa muita satisfação
Are baba: Ô, Deus!
Arebaguandi: Ô meu Deus!Auspicioso: promissor
Baguan kelie
: Por Deus!
Baldi: pai
Dadi
: avó por parte de pai
Firanghi: estrangeira

Namasté: O Deus que há em mim saúda o Deus que há em você.
Narrin: Não!
Mamadi: mãe

Tchai: bebida indiana feita a base de leite, chá preto e gengibre
Tchalô
: Vamos!
Tik ré: Sim.
Shukriá
: Muito Obrigado!


Shadow/Mariasun






Conheça a Sociedade Viva Cazuza, acessando o site: http://www.vivacazuza.org.br

A entidade apoia crianças e adolescentes com Aids e se mantém a partir de direitos autorais do Cazuza, doações, eventos beneficentes.
Doações em dinheiro podem ser feitas para Sociedade Cazuza: Banco BRADESCO, agência 0887-7, c/c 26901-8.


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