quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

 

SANTA MARIA E TODO UM PAÍS CHORA POR SEUS FILHOS


 
Quando um novo ano inicia nos enchemos de esperança em dias melhores, na possibilidade do recomeço e renovação de energias.
 
Mário Quintana escreveu: "Bendito quem inventou o belo truque do calendário, pois o bom da segunda-feira, do dia 1º do mês e de cada ano novo é que nos dão a impressão de que a vida não continua, mas apenas recomeça…".
Duro é quando a gente cai na real e percebe que os dias se sucedem, trazendo as mesmas inquietudes à alma.
Foi o que Tio Zuzu sentiu na manhã de domingo, 27 de janeiro, quando se preparava para tomar o costumeiro café da manhã ao deparar-se na homepage com mais uma estúpida tragédia: o incêndio na boate Kiss em Santa Maria com um número elevado de vítimas.

Santa Maria, a Cidade da Cultura, assim conhecida por abrigar um grande número de instituições de ensino, inclusive, a Universidade Federal. A cidade, cercada por morros, cresceu entre colinas suaves e vales, o que lhe confere um charme especial, até pela vida que pulsa por conta dos universitários que nela circulam. Tio Zuzu bem o sabe, por haver ministrado palestras na Universidade Federal há alguns anos atrás.
Que tristeza! Não cansava de repetir com o coração apertado ao pensar nas jovens vítimas, nos sonhos interrompidos, nas famílias, na dor imensurável de toda uma cidade, de todo um país.

Notícias com histórias da tragédia não paravam de se multiplicar na imprensa e nas redes sociais como a da jovem que na madrugada pediu socorro pelo Facebook e depois se calou ao lado do namorado e da irmã; dos dois irmãos que decidiram ir à boate na última hora por terem conseguido ingressos para a área vip; do casal que comemorava os novos empregos; do namorado que viera passar o fim de semana na cidade da namorada e ali estava para se divertir com ela; da professora de dança que foi encontrar alguns alunos; do rapaz que estava perto da saída, mas resolveu voltar para ajudar os amigos; do jovem soldado do exército que salvou duas pessoas, retornou para buscar uma terceira e não mais voltou; dos quatro irmãos que foram engolidos pela fumaça,....
Os celulares tocando nos corpos estendidos sem resposta.... a densa fumaça escura aniquilando sonhos... deixando toda uma cidade órfã.
Que tragédia! incrédulo, concluia. Tentando compartilhar o seu assombro entrou no Twitter e aderiu à hashtag #forçasantamaria, que rapidamente se tornou o tópico mais discutido e chegou ao topo dos trending topics global ao longo do dia.
A verdade é que todos nós nos sentimos sufocados pela fumaça negra que tirou tantos jovens do convívio de suas famílias.
A Kiss, uma das mais badaladas casas noturnas da região, tinha capacidade para 691 pessoas, naquela madrugada de domingo contava com uma lotação em torno de 1500, durante o show pirotécnico, uma faísca de um sinalizador usado pelo vocalista da banda foi o suficiente para atingir a espuma altamente inflamável e tóxica que cobria o teto, fazendo o fogo e uma nuvem negra mortal espalhar-se em questão de minutos. Os poucos extintores que havia não funcionaram, pra piorar, não havia ninguém treinado no local para uma situação de emergência. A saída era estreita e uma só e, num primeiro momento foi obstruída pelos seguranças que exigiam a apresentação das comandas; não havia sinalização de emergência, muitos (mais de cem) confundiram os banheiros com a saída, e de lá não conseguiram sair. Não havia sistema de controle de fumaça ou sprinklers de combate ao fogo.
Pânico. Terror vindo de todos os lados...
A pergunta que não quer calar: Como esse estabelecimento poderia estar funcionando?
Ora se está tudo errado e é perigoso: superlotação, show com fogos em lugar fechado, material altamente inflamável, falta de extintores, nenhuma saída de emergência... tem que fiscalizar e multar e obrigar todo mundo a fazer o que é certo. Se não o fizer, que se interdite!
No entanto, há que se reconhecer, que nós, como sociedade, somos omissos. Hoje, vários frequentadores e ex-funcionários da boate vêm a público denunciar antigas e conhecidas irregularidades, inclusive com fotos e vídeos postados no youtube. Por que então não denunciaram antes? Por que não cobraram uma ação das autoridades? Fato: Somente quando o pior acontece, é que costumamos culpar e apontar os erros.
Depois do Carnaval, daqui a um ou dois meses, a tragédia será esquecida. A dor e o vazio da ausência ficarão para as famílias que perderam seus entes queridos.
Os políticos já fizeram a sua média com a população e a sua parte para aplacar a ira dos familiares das vítimas, tentando evitar que os responsáveis sejam punidos. Aliás, os responsáveis são o poder público que permite o funcionamento de um local sem qualquer condição de segurança. Onde estavam os fiscais da prefeitura de Santa Maria, os bombeiros e a policia ao permitir que aquela arapuca estivesse com as portas abertas em total desacordo com as normas mínimas de segurança?
Dói ouvir o Prefeito, Cezar Schirmer, dizer que o incêndio em Santa Maria foi uma fatalidade!
Fatalidade?!? 236 mortos (105 alunos da Universidade Federal), 131 feridos, 80 em estado grave, mais de 20 internações de urgência de pessoas que tragaram a fumaça e dias depois desenvolveram os sintomas da pneumonia química.
Omissão e negligência isso sim!
Responsáveis são todos aqueles que de uma forma ou outra deveriam atuar e se omitiram, chegando a emitir até um alvará inicial de funcionamento. Esse discurso só favorece os irresponsáveis causadores desta e de outras tragédias, que - muitas vezes - tem sua origem na corrupção, propina e tráfico de influência nos escalões do poder público.
Dói saber que essa tragédia poderia ter sido evitada com medidas simples de segurança. Faltou amor à vida, essa é a verdade.
As chamas se acalmaram às 5h30, mas a morte nunca mais será controlada.
Nenhum homem é uma ilha isolada; cada homem é uma partícula do continente, uma parte da terra...; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram, eles dobram por ti. (John Donne)
 


 

 
No mistério do sem-fim equilibra-se um planeta. E, no planeta um jardim e, no jardim um canteiro; no canteiro uma violeta, e, sobre ela, o dia inteiro; entre o planeta e o sem-fim, a asa de uma borboleta. (Cecília Meireles)




Shadow/Mariasun

 
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