sábado, 19 de outubro de 2013


 

VOAR NAS ASAS DE ÍCARO


                                                                                                                     Querer não é poder.  Quem pôde, quis antes de poder só depois de poder.
Quem quer nunca há de poder, porque se perde em querer.

(Fernando Pessoa)

Na mitologia grega, Ícaro era filho de Dédalo, um dos homens mais criativos e habilidosos de Atenas, cujo maior feito foi construir o labirinto do palácio do rei Minos de Creta, para aprisionar o Minotauro (criatura metade homem e metade touro).

Porém cumprida a tarefa, Dédalo deu à filha do rei, Ariadne, um novelo de linha para ajudar Teseu, inimigo de Minos, a sobreviver ao labirinto, derrotar o Minotauro e depois fugir com ela, o que provocou a ira do rei que, como punição, ordenou que Dédalo e seu filho fossem jogados no labirinto.

Dédalo sabia que sua prisão era intransponível, e que Minos controlava o mar e a terra, só sendo possível fugir pelo ar. Então projetou asas, juntando penas de aves de vários tamanhos, amarrando-as com fios e fixando-as com cera. Muito talentoso, moldou-as com as mãos e com a ajuda de Ícaro de forma que se tornassem tão perfeitas quanto as das aves. Ao terminá-las, o artista, agitando suas asas, se viu suspenso no ar. Equipou seu filho e o ensinou a voar. Então, antes do voo final, advertiu Ícaro de que deveriam voar sempre numa altura média nem tão próximo ao Sol, para que o calor não derretesse a cera que colava as penas, nem tão baixo, para que o mar não pudesse molhá-las e as deixasse pesadas.

Ao alçarem voo, vendo tudo do alto ao seu redor, se sentiram como deuses que - inebriados - haviam dominado o ar. 

Graças à enorme liberdade que voar deu a Ícaro, este por descuido e curiosidade cruzou o céu além do seu limite; deslumbrado com a bela imagem do sol voou em sua direção, guiado talvez pela sensação de liberdade e de poder. Rente ao sol, a cera de suas asas começou rapidamente a derreter. Ícaro continuou voando cada vez mais alto, até perceber que já não lhe restava nenhuma pena e que estava batendo apenas os próprios braços. Começou então a cair... a cair... até que caiu no mar numa região que recebeu o nome dele - o mar Ícaro.

Hoje muitos se perguntam, qual terá sido afinal o sonho de Ícaro? Há quem diga que ele não tinha sonho nenhum, apenas o desejo de fugir do labirinto de Creta junto com seu pai. Outros acreditam que ele tinha o sonho de chegar ao sol voando, ou, simplesmente o de voar.

De sua história, creio haver uma lição maior: Talvez o sonho de Ícaro fosse simplesmente o sonho de liberdade, o de poder ir o mais longe possível e alcançar todos os lugares, sem medir as consequências. 

Há limites para sonhar?

Se Ícaro é a ousadia, certamente a força que nos move para vencer desafios e ir buscar o que queremos; Dédalo é a prudência, sem a qual algumas decisões podem se tornar muito perigosas e até fatais. 

E agora?

Se há um aprendizado contido nesse mito, ele é o de que é preciso saber quando arriscar e alçar voo, bem como, o momento certo de retrair os impulsos curiosos ante o desconhecido. 

Viver é caminhar entre a loucura, o impossível, o querer e o poder.

Há momentos na vida em que nos sentimos como se estivéssemos do alto de um despenhadeiro, olhando o voo sereno das gaivotas; e, em meio ao silencio, a estranha sensação de ouvir uma voz (talvez o próprio Ícaro) dizendo: Vem, pula, você pode voar como elas!  

Passado o sobressalto, a palavra “impossível” acende à nossa frente. Mas ao ver as gaivotas ao longe, começa-se a pensar na quantidade de “impossíveis” acumulados até chegar ali, tão pequenos e banais. É quando surge o desejo incontido de querer voar, deixar a mesmice pra trás e atirar-se rumo ao desconhecido.

O que foi mesmo que disse Fernando Pessoa? Querer não é poder!

O querer e o desejar, os sonhos, os ideais, as metas... Quem não os tem? Sem eles nada somos. Eles são a nossa bússola para seguir adiante com fé e esperança. 

O problema é que não sabemos trabalhar com o tempo, somos imediatistas, queremos chegar ao sol o quanto antes; esperamos a rápida e mágica transformação dos fatos, das pessoas e até de nós mesmos. Quando a mágica não se realiza, ficamos magoados, desiludidos com os outros, nos sentimos frustrados, injustiçados e revoltados com a vida ou decepcionados e fracassados... até que num momento de insanidade, pensamos em desistir ou em nos atirar num voo cego e suicida. 

Um despenhadeiro, sempre será um despenhadeiro, a não ser que seja conquistado, escalado, explorado, só assim ele poderá ser dominado e transformado no nosso habitat e em plataforma para voos maiores.

É por isso que “quem quer nunca há de poder, porque se perde em querer”, como Ícaro. O querer pelo simples querer, cega.

Não adianta desejar ter asas de cera para sair do despenhadeiro se desconhecemos a encosta íngreme, a força dos ventos, o manejo das asas, porque ou não sairemos do lugar por um medo paralisante ou, por não saber usá-las, inadvertidamente poderemos rumar em direção ao sol, ao invés de aproveitar a liberdade de voar para poder, ao lado das gaivotas, chegar em lugares nunca antes imaginados.

Querer só é poder quando se encontra a maneira criativa e inteligente de partir e chegar. O bom senso responde a esta questão melhor do que ninguém: o "poder" nunca será possível só pela força da palavra e da expressão, assim como o "querer", enquanto não estiver associado a uma série de atitudes que o expressem e o tornem real. Do contrário, será como viver o sonho de Ícaro.




Voar, voar... subir, subir...
... Asas de ilusão, e um sonho audaz...


Shadow
 

Licença Creative CommonsO trabalho VOAR NAS ASAS DE ÍCARO de MARIASUN MONTAÑÉS foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivados 3.0 Não Adaptada.


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