sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014




 AMOR À VIDA





AMOR À VIDA chegou ao último capítulo. O folhetim inicialmente iria chamar-se EM NOME DO PAI, pessoalmente penso que o título teria sido mais adequado, uma vez que a história girou em torno de Félix (Mateus Solano), o filho rejeitado desde criança pelo pai, César (o veterano Antônio Fagundes), sua carência e busca doentia pelo amor e aceitação paterna, cada vez mais distante. Mas, se assim fosse, a música de abertura não poderia ser Vida Vida Vida com Daniel, portanto....

Em nome desse pai gravitaram histórias rocambolescas, cenas antológicas, reviravoltas, polêmicas e o humor carrasquiano, este uma marca indelével do autor.

A escolha do elenco foi primorosa, mas alguns atores em especial se destacaram e foram simplesmente brilhantes, dentre eles: Mateus Solano, Vanessa Giácomo, Bruna Linzmeyer,  Tatá Werneck e a veterana Elisabeth Savalla. Estes, sem sombra de dúvida, merecem ser reverenciados e aplaudidos em pé. 

Mateus Solano, o inesquecível Félix, um dos melhores personagens da teledramaturgia brasileira, poderia ter sido mais um violãozinho indigesto, mas incorporou o papel de maneira tão brilhante, tão original, tão fantástica que acabou sendo adotado pelo público; apesar de suas vilanias e maldades, para espanto geral, foi perdoado e aclamado, tendo em várias ocasiões sido a hastag mais comentada no twitter, a tal ponto do autor ter se apiedado da “bicha má” (carinhosamente apelidado pelo público) - que tinha tudo para ter tido um trágico, triste e patético final - e lhe dado uma segunda chance e redenção.


Vanessa Giácomo, a Aline, com aquela carinha de anjo, ar de candura e de menina bem comportada, conseguiu o impossível, transformar-se numa das grandes vilãs da historia televisiva; merece ser elogiada e premiada por sua espetacular performance. Bruna Linzmeyer, a Linda, se não tivesse estudado a fundo sobre o autismo e fosse uma grande atriz, poderia ter dado vida a um personagem cansativo e estigmatizado; sua notável e delicada interpretação fez com que o público a acolhesse, se encantasse e torcesse por ela.  

Tatá Werneck, Valdirene, a piradinha, defendeu um personagem vazio, sem densidade e que só cresceu graças à intérprete; em vários momentos carregou nas tintas, no tom caricatural até cansar, mas cresceu e se redimiu ao mostrar todo seu talento e capacidade de improvisação ao permanecer no BBB14, por doze horas, sem sair do personagem - talvez o problema tenha sido mais do texto que da atriz. Elisabeth Savalla, a Márcia, tinha tudo para ser mais uma coadjuvante nessa história, mas foi crescendo porque soube dar a uma mulher sem escrúpulos, que via no casamento da filha com um marido rico a solução de todos os seus problemas, um toque humano e bem humorado, soube rir de si mesma; depois dela, comer um hot dog nunca mais será a mesma coisa.


Em AMOR À VIDA vários temas foram abordados, alguns bastante interessantes e polêmicos como a barriga solidária e o conflito vivido por Amarylis (Danielle Winits), quando a mulher após nove meses tem que se separar do bebê que gerou e entregá-lo ao casal; a adoção de crianças por casais gays e a formação de uma família homoafetiva; o amor na terceira idade, com o delicioso casal cheio de amor e de vida, vivido por Bernarda (Nathália Timberg) e Lutero (Ary Fontoura); o incentivo à leitura no país onde participante do BBB, assim como muitos, não sabe que Dom Casmurro, um clássico da literatura nacional, foi escrito por Machado de Assis. Sem livros, sem leitura as pessoas são incapazes de sonhar e de escrever a própria historia. A leitura liberta! Parabéns por isso Walcyr Carrasco!


De todos os temas abordados, porém, talvez o que mais tenha rendido seja a cena do beijo gay entre Félix e Niko (Thiago Fragoso), sobre o qual muito se falou durante toda a semana. Foi matéria do Jornal Nacional, Fantástico, de várias redes de televisão, revistas, portais da net, jornais. Pioneirismo, dizem alguns, quebra de tabus dizem outros. Pessoalmente, acho que há outras cenas que se sobrepuseram ao beijo, como o desfecho e encontro antológico entre pai e filho. Afinal o final feliz entre os dois personagens (Félix e Niko) era algo aprovado e esperado pelo público em geral, assim como o beijo, que aconteceu na medida certa, de forma natural e sem afetação ou excessos. O primeiro beijo entre dois homens na novela das oito tem, de fato, valor histórico. Só não dá pra entender é o tamanho do estardalhaço feito e a necessidade de se falar e repetir a cena e buscar depoimentos e... Não haverá por trás disso uma nesga de preconceito camuflado???


A meu ver o grande mérito da novela foi a forma lírica e poética com que o autismo foi tratado. Casais e beijos gays já haviam sido vistos até em outras emissoras, mas, tratar uma doença psíquica com liberdade criativa, suavidade e delicadeza, isso sim foi algo inédito, a ponto de despertar o interesse das pessoas. Ressalte-se que muito disso se deve à primorosa interpretação de Bruna Linzmeyer. Que Linda maravilhosa e inesquecível ela soube construir!


Os autistas assim como a Linda não são verbais. É preciso acreditar neles e muito aprendizado por parte da família para se comunicar com eles numa outra linguagem; é preciso ter fé para aprender a mudar o tempo, o ritmo, os sentidos. E isso foi mostrado de forma terna, indelével e até diáfana.


Vocês não sabem o que eu sou. A vida toda. Presa. Presa dentro do meu corpo. Presa. É como se tivesse uma parede, parede de vidro entre eu e vocês. Parede de vidro. Vidro. Eu ouvia vocês, mas as vozes não entravam dentro de mim, o sentido das coisas não entrava...” (Desabafo de Linda). Essa, a mais pura, didática e clara definição do autismo. 


Se o autismo tal como foi retratado passou longe da realidade, se o casamento de Linda é algo distante para um autista, não importa. A discussão e a polêmica postas na mesa é o que bastou. Além do mais, uma coisa é indiscutível: sempre é e será possível transpor paredes de vidro por meio do amor, dos gestos, da música, da pintura... Basta apenas o estímulo certo, o olhar, o toque e acreditar, para ver a pessoa desabrochar refletindo seu mundo de vidro, talvez até numa tela, por meio da pintora que possa se revelar a cada pincelada. Por que não? 

O desfecho ao som da Quinta Sinfonia de Mahle e da referência ao filme “MORTE EM VENEZA”, de Lucchino Visconti, ao lado de uma ótima fotografia, foi de arrepiar. Após ficar com parte do corpo paralisado em razão do AVC, ver o todo poderoso ex-Diretor do San Magno, cuidadosamente conduzido pelo filho, na cadeira de rodas, até a beira da praia para ver o por do sol, reconhecendo com a voz embargada, pela primeira vez: “- Eu também te amo, filho”, na brilhante interpretação de Antonio Fagundes e Mateus Solano, foi emocionante, antológico e emblemático. Palavras tão esperadas e nunca antes ditas, marcando o recomeço para pai e filho: assim como o sol se põe, ele nascerá trazendo um novo dia.... 


The perfect life, life
Is all we need

Shadow/Mariasun



Licença Creative CommonsO trabalho AMOR À VIDA de MARIASUN MONTAÑÉS está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. Baseado no trabalho disponível em Cantinho da Shadow.


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