terça-feira, 13 de fevereiro de 2018






QUANDO O CARNAVAL ENCONTRA O POLITICAMENTE CORRETO



Final de tarde em São Paulo. Crianças saltitantes e sorridentes vestidas de super-heróis, havaianas, indiozinhos, bailarinas, piratas, ciganinhas, com confetes coloridos na cabeça, voltam para casa com seus pais, estes de bermuda e camiseta, as mães com tiaras estilizadas enfeitando o cabelo. Provavelmente eles se somaram aos milhares de foliões que brincaram atrás do trio elétrico dos blocos carnavalescos, que tomaram as ruas e avenidas da cidade: Avenida 23 de Maio, Centro, Pinheiros, Vila Madalena,  Ibirapuera e... até o litoral paulista.

Por muito tempo, o Carnaval em São Paulo foi motivo para colocar as malas no carro e viajar ou participar da folia nos salões dos clubes.

Quantos bailes no salão ao som das marchinhas!!!: “mamãe eu quero...”, “se você fosse sincera...”, doutor eu não meu engano,...”, “olha a cabeleira do Zezé...”, “Maria escandalosa...”, “sassaricando, todo mundo leva a vida no arame...”, “mulata bossa nova...”, “eu sou o pirata da perna de pau...”, “Chiquita bacana lá da Martinica...”.

Quatro dias de folia, sete bailes de uma alegria contagiante, tendo início na matinê do sábado e terminando na noite de terça-feira, sempre com muita batalha de confete e serpentina. Todos cantando, pulando, andando em círculo em volta do salão, cuidadosamente enfeitado com máscaras de arlequins e colombinas pra tudo se acabar na Quarta-feira de Cinzas... Mas até a quarta chegar, o hino era um só:Hoje eu não quero sofrer, hoje eu não quero chorar; deixei a tristeza lá fora; mandei a saudade esperar, lá-lá-lá-lá. Hoje eu não quero sofrer, quem quiser que sofra em meu lugar...”.

Em poucos anos a festa de Momo começou a mudar na cidade da garoa. As escolas de samba paulistanas se estruturaram, organizaram, cresceram e transformaram em um grande espetáculo a céu aberto, à medida que os primeiros blocos carnavalescos, começavam - timidamente - a ocupar as ruas da cidade.

Até pouco tempo atrás seria inimaginável pensar que o Carnaval de São Paulo fosse sair dos salões para tomar as ruas e avenidas. Mas é o que aconteceu!!!

Este ano muitos paulistanos deixaram de viajar para viver o Carnaval da cidade. Inúmeros blocos surgiram no asfalto, congestionando ruas e avenidas de foliões, agrupando famílias, amigos e desconhecidos, numa corrente de animação, marchinhas e muito deboche, num vale tudo espontâneo e improvisado.

Pena, no entanto, que o discurso e a patrulha do “politicamente correto” também tenha chegado ao Carnaval:

Já pensou essa multidão carnavalesca cobrando saúde, emprego e educação para o Brasil. Teríamos conseguido nossos direitos a muito tempo. Infelizmente o povo brasileiro se vende por quatro dias de festa...”. “As fantasias de índio, homem vestido de mulher, baiana e cigana devem ser banidas, por se tratar de apropriação cultural alheia...”. “As marchinhas de antigamente devem ser excluídas dos blocos, por serem preconceituosas, machistas e racistas...”. Oiiiiiiiii?!?!?

Não pode ser sério isso. Que tempos são estes?!?

O mundo dos ressentidos está ficando cada vez mais chato e sem graça. Afffff.... Daqui a pouco vão criar uma cartilha de boa conduta. Cada palavra, gesto e até mesmo o que vestir deve ser pensado, refletido, pra evitar a censura dos que querem normatizar até os pensamentos. Pelamor!!!

O que essa gente quer e espera???

Que nos enterremos em vida, nos castiguemos, torturemos e punamos, porque a corrupção corre solta e este país gigante foi exaurido e saqueado por uma casta política insaciável???

Aviso aos "politicamente corretos": Precisamos de Carnaval, futebol, música no parque, cinema, barzinho, teatro, shopping... SIM!!! Precisamos de diversão, de nos sentirmos felizes, desestressar, jogar conversa fora, falar e fazer bobagens... para nos sentirmos vivos!!!

Sorry, mas a diversão é vital para a sanidade mental. Além do mais, quatro dias de folia não irão mudar ou piorar os rumos do país. Ele continuará no atoleiro em que está. O ano tem mais 361 dias para que possamos cumprir nossas penitências.

As marchinhas de Carnaval fazem parte da nossa cultura e tradição. Foram criadas para brincar e pular nos dias de folia, sem guardar a intenção deliberada de ferir minorias ou quem quer que seja. O mesmo se diga quanto às fantasias de índio, cigana ou baiana.Tem coisa mais fofa do que crianças fantasiadas de indiozinhos?!? Como alguém pode ver apropriação cultural indevida nisso???  A cultura, aliás, é universal. Cultura que não é compartilhada é dogma, não cultura.

Para que algo seja visto como preconceituoso, é preciso que haja a vontade e o propósito de ferir, diminuir, ofender, agredir o outro. Não é o caso das marchinhas carnavalescas. Suas rimas e musicalidade já pertencem ao inconsciente coletivo dos foliões. Substituir as letras por outras politicamente corretas, para satisfazer o “bloco dos insatisfeitos”, é uma afronta e um atentado à nossa cultura.

Chega de tanto chilique e de tanta hi-po-cri-sia!!!

Essa patrulha sobre os nossos costumes é asfixiante!!! Tolhe liberdades e fomenta o ódio onde não há. Além do mais, desperta o desejo incontrolável de rebelar-se e de resgatar as nossas tradições e valores em resposta a esse patrulhamento descabido e ideologia modorrenta, preconceituosa e cheia de não me toques.

Sensíveis a isso, os paulistanos não decepcionaram. Levaram esse desejo aos blocos carnavalescos, que animaram a multidão entoando a plenos pulmões as marchinhas clássicas com muito mulato, negro, branco, criança, jovem, velho, homens, mulheres, índios, dançando ao lado de Lulas vestidos de presidiário, baianas e ciganinhas carregando nas mãos Pixulecos. Numa demonstração inequívoca de que o politicamente correto é um fracasso, a folia carnavalesca não torna as pessoas alienadas ou embotadas, até mesmo porque a irreverência e o humor escrachado dos blocos sempre serão o pesadelo dos políticos e da turma dos descontentes.

Quem se sentir incomodado sempre terá a opção de ir passar estes dias em um retiro espiritual, meditar, ao invés de azedar a diversão alheia.

Os patrulheiros de plantão creem que as pessoas são massa de modelar, passíveis de serem doutrinadas para seguir uma cartilha de comportamento, como a que impõe restrições às marchinhas ou fantasias de carnaval. Pois é... como canta Moraes Moreira, “atrás do trio elétrico,  só não vai quem já morreu...”.

Na folia de Carnaval quem dá o tom é o Momo, e... ele não está nem aí para o politicamente correto!!!





Shadow/Mariasun Montañés


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