quarta-feira, 11 de julho de 2018



OS MENINOS DA CAVERNA DA TAILÂNDIA E OS PEQUENOS MILAGRES DA VIDA



“- Todos foram resgatados!”

Ontem, 10 de julho, o dia amanheceu com a notícia que o Mundo vinha aguardando na última semana. Os doze meninos do time de futebol da Tailândia, com idade entre 11 e 16 anos, mais o seu técnico, presos em uma caverna, se encontravam a salvo e recebiam os primeiros cuidados médicos.

Inevitável não sentir alivio e agradecer a Deus pelos milagres que fomos testemunhando em uma caverna escura, úmida, estreita, inundada e distante, envolvendo pessoas que não conhecemos e com as quais nos irmanamos.

Tudo começou numa aparente e corriqueira aventura de meninos.

Ah... o inquietante  espírito aventureiro dos jovens com sua ânsia por viver novas experiências!!!

No dia 23 de junho, após o treino de futebol, os doze meninos mais o seu técnico decidiram que o aniversário de um deles, o Night, seria comemorado de um jeito diferente: fazendo uma incursão nas galerias e labirintos da caverna de Tham Luang.

Animados, colocaram algumas guloseimas na mochila, pegaram suas bicicletas e pedalaram até o local onde acabariam vivendo a situação mais extrema de suas jovens vidas e que iria impactar o Mundo.

Feito bravos desbravadores, caminharam rumo ao desconhecido, alheios ao perigo que aquilo poderia representar.

Enquanto seguiam pelos túneis da gruta guiados apenas pela tênue luz de suas lanternas, nuvens espessas se formaram sobre a montanha e uma chuva torrencial começou a cair, alagando suas encostas e tudo ao redor. Não tardou para que rapidamente as águas invadissem a caverna, bloqueando a saída.

Encurralados e sem ter uma rota de fuga, os doze meninos mais o seu treinador, encontraram um pequeno platô, minuciosamente esculpido pela natureza para que ali pudessem se abrigar até que a água baixasse... ou o resgate chegasse... Pode-se dizer que foi o primeiro milagre dessa história.

Passaram-se um dia, dois, três... oito, nove... Nesse período, já eram notícia nos principais jornais do mundo e muitos começavam a orar por eles.

Prontamente, especialistas em caverna e mergulhadores estrangeiros se juntaram aos oficiais tailandeses para, numa corrida contra o tempo e as forças da natureza, encontrar e resgatar o pequeno grupo.

Era o nono dia, 02 de julho, quando dois mergulhadores ingleses ao emergir para mapear a vasta rede subterrânea, avistaram os meninos sobre uma rocha. Todos estavam vivos, apesar de famintos, mas resignados, à espera do resgate. Este foi o segundo milagre, que rapidamente se espalhou:

“- Nós achamos todos os treze e salvos”. Essa frase percorreu o Mundo e um sentimento de comoção invadiu a muitos.“-Deus seja louvado!”, disseram outros, em agradecimento pelo encontro tão esperado.

A comunicação com os mergulhadores se deu por meio de um menino de 13 anos de idade, Adul-Sam, único no grupo a falar inglês.

Aquele menino magro, de olhos grandes iluminados pelas lanternas dos mergulhadores, sereno em meio ao caos, chamou não apenas a atenção da equipe de resgate, mas, daqueles que viram o vídeo do momento do encontro.

Não tardou para apurar-se que aquele adolescente vivaz, o porta-voz do seu grupo, era um apátrida. Ele nasceu em Wa, Mianmar, região marcada por conflitos étnicos e religiosos. Aos sete anos, seus pais o levaram para Mae Sai a fim de que pudesse receber uma boa educação. Desde então vive sob os cuidados e proteção de uma Igreja Cristã.

Não apenas o jovem Adul-Sam encontrou refúgio na Tailândia, outros três meninos do grupo e o jovem técnico também. 

Hoje vivem ali, no exílio, mais de 400 mil apátridas. Eles não possuem certidão de nascimento, carteira de identidade ou passaporte. Sem pátria, destituídos dos direitos fundamentais da pessoa humana e desprovidos da cidadania, não podem casar legalmente, conseguir um emprego formal, adquirir bens, votar ou até mesmo abrir uma conta bancária. Estão fadados a viver à margem da sociedade.

A Tailândia se comprometeu a legalizar a situação dos apátridas, como Adul-Sam e seus amigos, até o ano de 2024... mas... enquanto isso não acontece, essa gente permanece invisível aos olhos de todos. 

Quem sabe não há outro milagre aqui... e, por meio e em razão desse menino, o Mundo começa a olhar com mais atenção para a condição dos apátridas e o drama vivido em Mianmar devido aos conflitos sangrentos entre o grupo étnico do Estado de Wa e o exército birmanês, que levou milhares de pessoas ao exílio forçado por conta do genocídio, violência extrema, fruto da intolerância religiosa e cultural que assola o país.

“- Vocês são fortes... Muito fortes”... disse um dos mergulhadores britânicos aos meninos. É como se lhes dissesse: “- Falta pouco. Aguentem firme!”.

Por vezes, palavras de incentivo, encorajamento e esperança, é apenas o que precisamos para não desistir.

Aliás, não há quem não tenha se perguntado como aqueles meninos tão jovens resistiram por nove dias, isolados na escuridão, debilitados, sem comida, com pouco espaço e oxigênio no interior da caverna, assombrados pelo silêncio lúgubre das paredes frias e úmidas da rocha e a incerteza de poder voltar pra casa...

Certamente, a mesma força que guiou os dois mergulhadores britânicos até eles, os amparou quando mais precisaram...

A Tailândia é um dos destinos turísticos mais procurados não apenas em razão de suas praias paradisíacas, mas por reunir pessoas em busca da iluminação, meditação e paz interior. As belezas naturais, cultura e espiritualidade de seu povo, fazem com que seja um dos países mais interessantes para as mentes ansiosas das grandes metrópoles e centros urbanos.

Hoje o país é a maior nação budista do Mundo. Nove em cada dez tailandeses são budistas. Sua rica arquitetura e templos milenares são um convite à introspecção e reflexão.

E é aqui que o membro mais velho do grupo, mas nem tanto, tem apenas 25 anos, Ekapol, o treinador do time, ganha destaque e importância.

Ekapol, ou apenas "Ake", ficou órfão aos 10 anos de idade e em determinado momento decidiu que seria monge budista.  No entanto, após doze anos no monastério, quando sua avó adoeceu, abandonou o treinamento espiritual e optou por cuidar dela, tendo começado a trabalhar como assistente no time de futebol, conhecido como “Moo Pa” (Javalis Selvagens).

E eis aqui, outro milagre. Os meninos perdidos na caverna tiveram ao seu lado não apenas um treinador, um amigo, mas... um ex-monge, que conforme foi relatado pela equipe de resgate, ensinou meditação aos jovens, bem como, técnicas de conservação da energia vital para que não perdessem a fé, a confiança, a crença no salvamento e... pudessem sair de lá em segurança. "Ake" alimentou o espírito dos meninos e assim os fortaleceu, enquanto aguardavam.

E eles saíram!!! Para tanto, uma mega operação foi montada.

A princípio pensou-se em drenar a água das galerias para que o grupo pudesse fazer o caminho a pé.  No entanto, apesar dos equipamentos de drenagem, logo se viu que o volume da água poderia baixar, mas não o suficiente, haja vista que, as chuvas continuavam a cair na região.

Considerou-se também a possibilidade de perfurar a rocha por cima até chegar ao grupo, o que se mostrou inviável pela dificuldade e tempo que isso despenderia.

A alternativa que se mostrou mais viável foi a de retirá-los mergulhando na água. Mas como fazer isso, sendo que alguns deles sequer sabiam nadar?!?

Dia após dia foi possível acompanhar os preparativos para a operação de resgate, os esforços e o empenho de vários especialistas, de diferentes nacionalidades, Inglaterra, China, Estados Unidos, Israel, Austrália, Japão, Canadá, para a difícil evacuação, que iria começar no dia 08 de julho, antes que as chuvas previstas para a região se avolumassem.

Através de passagens estreitas, cheias de câmaras e ramificações com galerias repletas de água, um a um os valentes meninos e mergulhadores teriam que percorrer quatro quilômetros de um caminho tortuoso, orientados por cordas, luzes dos capacetes, mergulhando durante seis horas.

O impacto veio quando um dos mergulhadores, o tailandês, Saman Kunan, voluntário na ação e membro da elite da Marinha, um dos primeiros a entrar na caverna, ficou sem oxigênio quando voltava após deixar mantimentos e oxigênio para o grupo. Não há quem não tenha ficado com um nó na garganta e o coração apertado. Foi então que pudemos dimensionar os riscos envolvidos nesse resgate e o heroísmo daqueles que participavam dele. Na Tailândia há uma crença budista segundo a qual aquele que morre ajudando o próximo se eleva espiritualmente. Ele certamente se elevou!!!

Sua perda não foi em vão. Foi um alerta e aprendizado para o planejamento e controle minucioso dos riscos envolvidos.

Em razão da fragilidade física em que os meninos se encontravam e diante do risco de pânico durante a difícil travessia, devido ao tempo de mergulho, à falta de visibilidade em meio às águas turvas e passagens estreitas, decidiram então resgatá-los em macas. Algo extremamente cansativo e fatigante para os mergulhadores. Razão pela qual foram retirados em três dias, divididos em grupos de quatro. Noventa mergulhadores, sendo 40 tailandeses e 50 estrangeiros, participaram dessa extraordinária e bem sucedida operação, que envolveu um total de mil pessoas entre oficiais da marinha, socorristas, médicos e voluntários. As imagens do resgate são incríveis e emocionantes!!!

Há mais um detalhe impressionante nessa narrativa: Logo após a passagem do último grupo, a energia elétrica e as bombas de drenagem pararam de funcionar, obrigando os últimos mergulhadores a evacuarem rapidamente o lugar. Sem o bombeando, o nível da água subiu de forma veloz, inundando todas as galerias, o que teria tornado impossível o resgate. Mais um milagre...

Essa é uma história inacreditável, que foi sendo contada em capítulos e supera a ficção!!!

Em plena Copa do Mundo, um time juvenil da Tailândia – os “Javalis Selvagens” – conseguiu a proeza de ser mais comentado que as grandes e estreladas Seleções de Futebol do Mundo. Bangkok, a famosa capital tailandesa, deu lugar à pequena cidade de Mae Sai, da Província de Chiang Rai.

O que fica desse episódio para todos nós?!? Fica uma importante lição de resiliência.

Aqueles meninos apesar de tão jovens mostraram ao Mundo, que por pior que sejam as adversidades, há em nós uma força vital que luta pela vida e a sobrevivência, a qual chega junto com uma inacreditável capacidade de superação e adaptação diante do inesperado.

Não é por acaso que os meninos e as equipes de resgate passaram a receber mensagens de apoio de todos os rincões do Planeta, dos principais líderes mundiais a pessoas anônimas. Diante do que, quando se pensa em Mianmar e outros conflitos espalhados pelo mundo, a Paz encontra posição de destaque e nos revela que ela só depende de nós. 

A união de forças e as orações para que os meninos fossem resgatados com vida, remete a um sentimento que nos aproxima e emerge diante das tragédias e situações limite. É o espírito fraternal de solidariedade que nos irmana e desconhece cor, origem, religião, cultura ou classe social. Quando isso acontece, nos tornamos mais humanos, mais fortes e mais preparados para vencer o ambiente inóspito de qualquer caverna, esteja ela na natureza ou incrustadas em nós.

Sim, não apenas a fé, mas, a solidariedade, é capaz de mover montanhas ou... de nos tirar de suas profundezas...

Cada parte da história dos “meninos da caverna” é um relato de pequenos milagres.

E... se prestarmos atenção, nosso dia-a-dia também é feito de pequenos milagres, por vezes invisíveis, imperceptíveis, mas que ali estão desde sempre: na mensagem inesperada do amigo, na música que toca no rádio, no artigo da revista folheada ao acaso, no sorriso singelo de um filho e até no suave balançar das folhas ao toque do vento... que alegram, transformam e, por vezes, resgatam.

Pequenos detalhes e sinais que tem a ver com o sagrado que nos cerca e estão em estreita conexão com tudo e todos.

Só há duas maneiras de viver a vida: 
A primeira é vivê-la como se os milagres não existissem. 
A segunda é vivê-la como se tudo fosse milagre. (Albert Einstein)




Busque sempre o seu milagre....

Shadow/Mariasun Montañés



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