sábado, 9 de fevereiro de 2019




O MENINO A BOLA E O SONHO



Impossível passear no parque e não parar para admirar aquele menino correndo no campinho, driblando, dando olé, chutando, fazendo goooolll... ao tempo em que dirige o olhar para a mãe que vibra orgulhosa, na arquibancada improvisada...

Aaaah... a magia que uma bola tem!!! Parece gostar daqueles pezinhos travessos que a tocam com reverência, habilidade (bom... às vezes nem tanto...) e uma paixão que os torna inseparáveis.

O menino e a bola parecem ser um só. Na escola? O recreio não tem graça sem os dois. Na praia? Ao entardecer, o encontro na areia quentinha é certeiro. Na quadra do prédio, na rua, na várzea? Até em dia de chuva!!! Ao dormir? Abraçadinhos na cama, sonhando com as jogadas incríveis do dia seguinte. O menino e a bola... Quem nunca?!?

Passei minha infância dividida entre a bola e as bonecas. Talvez os momentos mais emblemáticos, únicos e especiais ao lado do meu irmão, tenham sido os que passamos nos divertindo com ela: a bola. Desafios, risadas, cumplicidade, caneladas, guardados na memória forever.

À medida que o tempo passava e super-ídolos do futebol surgiam... Ronaldo... Ronaldinho... Kaká... Neymar... foi possível notar que o encontro do menino com a bola se transformava... O lúdico e o divertido, passou a dar lugar ao desejo de ser igual a eles, de assumir desde cedo compromissos e responsabilidades.

A paixão pura e simples passou a ser vista como um meio para ganhar dinheiro, sustentar a família e alcançar a fama. Hoje, a pelada na rua não é suficiente, muitos meninos sonham em fazer parte das escolinhas dos grandes clubes. Isso representa sair de casa, do ninho seguro, aos 12/13 anos. Ficar albergado nos Centros de Treinamento. Acordar cedo, ter disciplina, treinar duro para não desagradar ao técnico, empresários e olheiros. Tornar-se um dos principais provedores da casa dos pais.

É quando o sonho do menino passa a ser, também, o sonho de toda a família...

Um sonho por vezes esfacelado feito cristal, quando o jovem atleta não é escalado ou não recebe convite para permanecer no clube, ou, ser negociado com times do exterior. Momento em que o menino se separa abruptamente de sua paixão, a bola.

Nesta semana, foi - com grande pesar - que vimos esse sonho ser carbonizado...

O país ainda se recuperava da tragédia em Brumadinho, que ainda conta as vítimas de um total de 339 pessoas soterradas vivas, e, das fortes chuvas no Rio de Janeiro na última quinta-feira, com o deslizamento de terra das encostas e saldo de 7 mortos numa cidade abandonada... quando - no amanhecer de sexta-feira - o Ninho do Urubu, CT do Flamengo, virou notícia e mais uma estatística: incêndio no alojamento dos atletas da base. Dez mortos e três feridos, um deles com graves queimaduras pelo corpo.

Dez mortos!!! Praticamente um time inteiro!!! Dez sonhos incinerados!!!

O mais estarrecedor é saber como esses meninos morreram. Eles dormiam em containers. Sim, containers!!! Pra simplificar: caixas de lata. Não é difícil imaginar que a temperatura era alta lá dentro, daí o ar-condicionado ligado, onde teria começado um curto-circuito enquanto dormiam. Fogo, labaredas e fumaça tóxica na armadilha mortal. Com a alta temperatura o metal entorta e empena, portanto, mesmo que alguém tentasse sair pela porta, não conseguiria... Foram queimados vivos...

Isso num clube, o Flamengo, que muito lucra com a venda desses jovens talentos ao exterior, muitos dos quais sequer chegam a passar pelo time principal. Agora se sabe que esse alojamento havia sido interditado pela Prefeitura do Rio de Janeiro por falta de Alvará e do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). Por conta disso, o clube havia sido autuado 30 (trinta) vezes, ou seja, os dormitórios não poderiam estar lá. Os dirigentes preferiram pagar as multas e continuar em situação irregular. O Ninho do Urubu que deveria agasalhar aqueles meninos, não foi capaz de protegê-los.

O fogo mais uma vez fazendo vítimas... Quem poderá esquecer a Boate Kiss, em Santa Maria, também funcionando em condições precárias, com revestimento altamente inflamável, sem equipamentos de segurança adequados, sem rota de fuga, que deixou 242 mortos e toda uma cidade em luto.

O que Mariana, Brumadinho, a Boate Kiss, as enchentes no Rio de Janeiro e os jovens atletas do Flamengo incinerados em caixas de lata, têm em comum???

A resposta é óbvia. Salta aos olhos: O descaso com a vida humana.

Este é o país da gambiarra e do esquecimento, das cicatrizes profundas e da falta de fiscalização efetiva do Estado, da ganância e do “jeitinho” brasileiro, onde crimes hediondos como esses, que poderiam ser evitados, são cometidos e ninguém é punido, e, quando o é, trata-se de alguém que “paga o pato” no lugar do verdadeiro responsável, para aliviar a consciência e acalmar a opinião pública.

Estamos sempre nos perguntando: Até quando?!? Ou pior: O que virá a seguir?!?

O até quando não demora a chegar e o que vem a seguir sempre acaba nos surpreendendo e partindo o coração.

Em menos de 40 dias, o país chora 400 mortes, 400 histórias interrompidas que poderiam haver sido poupadas.

Pois é... o Brasil não tem guerras, tsunamis, terremotos, furacões... mas tem os políticos brasileiros, mais preocupados com o jogo do poder e seus interesses, do que em administrar, governar, legislar e fiscalizar.

Veja-se os políticos da “Nova Era” e o espetáculo dantesco que proporcionaram há uma semana durante a eleição para a Presidência do Senado. Houve de tudo imaginável e inimaginável. Davi Alcolumbre se apossou da Mesa do Senado para presidir a sessão, apesar de ser candidato, rasgando assim o Regimento Interno da Casa parlamentar com o apoio de Onyx Lorenzoni (Ministro da Casa Civil) e do Governo. Os senadores pactuaram descumprir a decisão do STF, que determinou o voto fechado. A senadora Kátia Abreu surrupiou a pasta com documentos da votação da Mesa Diretora, para tumultuar a sessão. Renan Calheiros cinicamente defendeu respeito à Constituição, apesar de tê-la fatiado por ocasião do impeachment de Dilma Rousseff. Fraudou-se a eleição com a multiplicação de cédulas: 82 votos, 81 senadores. Ao final desta semana e de tanta lambança, verifica-se que dos 11 integrantes que passaram a compor a Mesa Diretora do Senado, 8 estão sob investigação inclusive o Presidente do Senado eleito e Flávio Bolsonaro, o “garoto” do Presidente da República.

É custoso acreditar que as Reformas estão nas mãos dessa gente e de um único partido. O DEM de Rodrigo Maia, Presidente da Câmara, e, de Davi Alcolumbre, Presidente do Senado. É custoso acreditar que as Reformas estão nas mãos de quem rasga o Regimento que deveria respeitar e obedecer, surrupia documentos e descumpre decisões do Judiciário. Como irão nortear suas decisões e votações doravante?!?

Trata-se da “Nova Era” confraternizando e batendo bola com a “Velha República”. Eles são os donos da bola, jogando pelos próximos quatro anos com os sonhos dos brasileiros e com a esperança em dias melhores...

Aaaaah... as mazelas do futebol e da política...

Quem dera o mundo, este país, fosse envolvido pela magia que há entre 
menino... a bola.... e... o sonho...  



Que Deus ampare os pais, os amigos e as famílias em luto!!!

Fica aqui uma nota de agradecimento e reconhecimento aos abnegados, incansáveis e valorosos homens do Corpo de Bombeiros. Estes, sim, os heróis de todo um país!!!


Shadow/Mariasun Montañés



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