domingo, 20 de fevereiro de 2011




BIA E O LAPTOP DA XUXA




Bia sempre foi uma criança encantadora, o xodó da Val e da tia Leninha. Está sempre a sorrir, a se lambuzar, a brincar; tudo é simples, mágico e colorido no seu pequeno mundo.

Sua imaginação é rica, e vai crescendo à medida que ganha contornos por meio de recortes de papel, cola, tesoura, tintas, tecido e lápis coloridos. 
Sabedor disso, encantado com essa riqueza que as crianças possuem e para estimular esse dom na sobrinha neta, Tio Zuzu quando vem do Rio de Janeiro visitá-la, sempre lhe traz um livro de histórias, caixas de massinha ou lápis de cor. 

Para ele a infância é, ou ao menos deveria ser, multicolorida, musical, com muita brincadeira de pega-pega, pique-esconde, amarelinha, ciranda-cirandinha. No alto de sua sapiência sabe que se a criança não tiver isso enquanto for pequenina, crescerá rápido demais, e guardará para sempre um vazio dentro de si, perdendo o encantamento por aquilo que a cerca, pois o mundo sem o lúdico não tem graça, perde a cor, torna-se cinzento.

A pequena Bia fez aniversário no último sábado. Val fez uma festinha para reunir os amigos da escola e do prédio, muita bexiga, bolo de chocolate, brigadeiros e música pra animar. Mas Bia estava triste. O que ela mais queria ganhar, ninguém conseguiu lhe dar, o laptop da Xuxa, em falta desde o Natal. O mundo da meiga e doce Bia ruiu (era tudo que ela queria), e o pior, não conseguiu entender que as pessoas procuraram o objeto do seu desejo à exaustão, tudo fizeram, mas não o encontraram. Val ficou péssima e Leninha de coração apertado. 

Foi então que o Tio Zuzu chegou todo animado pra participar da festa, trazendo um enorme pacote colorido, cuidadosamente embrulhado. Será o laptop da Xuxa?, logo pensou a ansiosa aniversariante, enquanto rasgava freneticamente o papel que enfeitava o precioso presente. Nele, um cavalete, telas em branco, tintas acrílicas de todas as cores e pincéis. Decepção! Bia sequer conseguiu disfarçar, colocou o pacote junto aos demais presentes sem dizer uma palavra, e foi ao encontro de suas amigas.

Acho que estou ficando velho, pensava Tio Zuzu sem entender a estranha reação da pequena amiga. Deteve-se então a observar aquelas meninas de sete anos usando sandálias de saltinho da Xuxa com bolsinha da mesma cor combinando, enquanto se revezavam em passar gloss nos pequenos lábios e sombra nos olhos, ao mesmo tempo que dançavam ao ritmo da música eletrônica. 

Sinceramente, não consigo achar normal! Não é normal! O que aconteceu com aquela fase em que as crianças eram apenas…crianças?

Enquanto meditava, Val se aproximou dele para explicar que Bia estava aborrecida por não ter ganho o presente desejado. Sabe tio, ela viu um comercial na televisão -durante o intervalo da programação infantil- e se encantou com o laptop da Xuxa. Começou a pedí-lo a semanas. Mas, não deu, está em falta. Agora não há qualquer outro brinquedo que ela queira, se interesse ou a faça sorrir. E pensar que quando eu ou a Leninha fazíamos aniversário, o presente -além do bolo- era um vestidinho novo feito pela mamãe. Brinquedo mesmo a gente só ganhava no Natal, era o ano inteiro esperando por uma boneca, lembra tio?

Ele assentiu com a cabeça, absorto em seus pensamentos: Como é possível, que o desejo em ter o laptop da Xuxa, possa empanar as cores vivas e o brilho de uma menina tão pequena e esperta quanto a Bia?
 
O que significa educar para a vida hoje em dia? O senso crítico, daquele que foi jornalista, começou a martelar.

A festa terminou e à noite, já em casa da Leninha, e cismado com o que vira, perguntava-se: 

O que significa educar o olhar de uma criança do século XXI?

Sem sono, Tio Zuzu entrou na internet à procura do comercial que a Val havia mencionado, não tardou a encontrá-lo:

''Nele a Xuxa está acompanhada de duas meninas, tendo ao redor cadernos e lápis coloridos. Amistosamente ela lhes propõe ir ao encontro de algo mais legal e divertido, tão especial que fica escondido num pote de ouro lá no fim do arco-íris. Alegres e saltitantes as meninas se preparam para acompanhá-la, quando surge um caminho colorido para transportá-las ao céu. No céu, lá onde está o laptop. Agarradas a ele (ao laptop) o caminho transforma-se num divertido e mágico tobogã. E pra fechar o pacote, Xuxa apresenta alegremente todos os produtos com a sua marca".

Trinta segundos, não mais que isso, é o tempo suficiente para convencer meninas como a Bia, que a felicidade está em ter o laptop da Xuxa. Uau, possuir algo que leva as crianças até o céu para brincar em nuvens de algodão! Chegar ao pote de ouro, lá no fim do arco-íris, capaz de transformar o mundo infantil num tobogã colorido. Mágico, não?

Ora, é sabido que papel, lápis coloridos, pincéis são os recursos que a criança utiliza para expressar e comunicar seus sentimentos, emoções, fatos do dia-a-dia, desenvolver o gosto pela arte, sendo de vital importância para estimular a criatividade, fantasia e imaginação, tão necessárias ao seu crescimento. Em trinta segundos, um comercial a faz acreditar que isso não traz a felicidade. Bom mesmo é possuir aquele determinado brinquedo. É o que basta para despertar o desejo.

Lápis e caderno? Que coisa mais sem graça! Incrível e divertido é o laptop. Essa a mensagem veiculada e captada pela criança. 

Como educar a criança para a verdadeira felicidade?

Segue o vídeo. Seu título? Bom, poderia ser: Educando para consumir....


Como educar a criança para a verdadeira felicidade?, a pergunta que não quer calar.

Penso que os olhos tem que ser educados a ver, desde muito cedo, que a alegria e o bem-estar dependem de nossos recursos internos. Quando colocamos nossa felicidade no exterior ou no outro, nos tornamos mais pobres e infelizes.

Ainda há tempo para a Bia. E para você? E para a criança que está ao seu lado?


Shadow/Mariasun

Licença Creative CommonsA obra BIA E O LAPTOP DA XUXA de MARIASUN MONTANÉS foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não-Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.


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