terça-feira, 2 de outubro de 2012


 


O CHARME DE CHEIAS DE CHARME






Houve um tempo em que os folhetins exerciam um grande fascínio sobre Leninha. De forma inexplicável, sentia-se sugada pra dentro da tela, pronta para se deixar possuir pelo personagem da mocinha. Como sofria com o sofrimento dela!!!

Tamanha era a proximidade que acabava até pegando alguns trejeitos e jargões. Achava que os capítulos eram curtos demais; se sobrava um gancho ou suspense pro dia seguinte, não via a hora do tempo passar pra sentar no sofá e ver o seu desfecho. Perder um capítulo então era a morte, ligava pras primas, procurava nos jornais e revistas para saber o que havia rolado. Mais de uma vez adiou ou desmarcou compromissos com o namorado, pra não perder o suspense ou a grande revelação da trama; chamá-lo para ver o capítulo junto, era inviável, pois ele só queria ficar de chamego ao seu lado, o que lhe tirava a concentração. No último capítulo, então, sobravam lágrimas e um imenso vazio; assistir a reprise no dia seguinte e emocionar-se novamente era obrigação. Até que, uma próxima heroína passasse a ocupar suas noites.

Com o passar do tempo ela mudou e as novelas também. As redes sociais e os seriados americanos na TV fechada, com histórias mais ágeis e condensadas, passaram a ser o seu passatempo preferido. Sem fanatismo ou compromisso. Hoje o que realmente importa é a sua própria vida, por isso não deixa de fazer nada para ficar plantada na frente da TV. Afinal, vida real não tem reprise, costuma dizer.

As novelas, por sua vez, ficaram viciadas na mesma receita: mocinhos x vilões; peruas histéricas, maridos infiéis, piriguetes, gays afetados, traições, crimes, violência. De dura já basta a realidade, afirmava até pouco tempo atrás, quando lhe perguntavam se estava acompanhando determinada novela.

Mas, o charme e o glitter de Cheias de Charme, a fez voltar a sentar no sofá.

Logo percebeu que havia um formato diferente ali: ousadia, diversão e um enredo moderno; surgia uma nova linguagem de se fazer novela, fazendo uso até da internet, sem, no entanto, perder o encanto dos contos de fadas. Algo que valia a pena conferir.

A verdade é que, a estreante dupla de autores, Filipe Miguez e Izabel de Oliveira, ao fugirem das comédias pastelão e non sense do horário ou dos melodramas de sempre, criaram um folhetim único e original construído sobre dois pilares muito atraentes: a vida no subúrbio e da música.

A novela contando a história de pessoas comuns em busca de seus sonhos, de uma vida melhor, foi uma boa aposta. Nem vilões, nem mocinhos, apenas pessoas com vontade de progredir na vida, muito bem representadas pelas Empreguetes, daí a grande aceitação do público de todas as faixas etárias.  

Elas, três mulheres simples, três Marias: Maria da Penha (THAÍS ARAÚJO) Maria do Rosário (LEANDRA LEAL) Maria Aparecida (ISABELLE DRUMMOND), três empregadas domésticas, batalhando para melhorar de vida, criar o filho, carregando a casa nas costas, sustentando o marido desempregado, assim como tantas outras Marias por aí afora, foram as heroínas e o fio condutor da história, cantando de forma bem-humorada todos os problemas e dificuldades da “VIDA DE EMPREGUETE”. Pronto. Aí estava a receita do sucesso.  

Isso ia de encontro também aos anseios e ao atual momento de outra Maria, Maria Helena, a Leninha. Não, ela nunca pensou em ser cantora, subir num palco ou fazer sucesso. Mas, assim como as Empreguetes, tem metas e sonhos, busca a realização e reconhecimento naquilo que faz, enfrenta sozinha os desafios e, por vezes, a falta de reconhecimento na sua profissão. Foi o que bastou para ela sintonizar na mesma freqüência.

- Bom dia dna. Maria! Bom dia Brasil. Está no ar o programa do Gentil!

Quem é que de manhã já não foi acordado por uma voz como a do Gentil? Há anos que a Jovem Pan AM senta à mesa da Leninha, contando-lhe as principais notícias do dia enquanto ela saboreia o café com torradas. Quantas vezes, sozinha em casa, o rádio não lhe fez companhia!

O rádio e a web caminharam juntas na novela. O clipe “VIDA DE EMPREGUETE”, cena que criou grande suspense na trama, foi colocada na internet no sábado, para só ser exibida no capítulo da segunda-feira seguinte. O vídeo virou um viral no youtube com mais de 12 milhões de acesso. Criado estava o folhetim transmídia.

Disso derivaram outras versões dos internautas e paródias num diálogo único e inédito entre a novela e o público. Daí para ser criado o site de fãs do trio, MOVIMENTO EMPREGUETES PARA SEMPRE, foi um pulo. A reação foi imediata: mensagens de apoio lamentando a separação do trio e pedindo a sua volta, fotos, vídeos, ultrapassando os 3 milhões de visitas. O clipe das Empreguetes da música “NOSSO BRILHO” passou dos 2 milhões de cliques. Somem-se a esses acessos, os da própria Leninha. 

“VIDA DE EMPREGUETE” chegou a estar em 35° lugar entre as 100 músicas mais tocadas nas rádios do Brasil, segundo o portal Hot100Brasil. No período de uma semana, o site de CHEIAS DE CHARME recebeu 900 mil visitas diárias.

Diálogo direto com todos os públicos e cumplicidade, numa peculiar relação entre a obra e a vida, ficção e realidade. Um fenômeno! Em pouco tempo os hits das Empreguetes, de Chayenne e de Fabian, “VOA VOA BRABULETA”, estavam na boca do povo, inclusive da Leninha. Quem um dia não arriscou soltar a voz num videoke? 

A tresloucada, afetada, superstar cheia de glitter e brilhos Chayenne, maravilhosamente interpretada por Cláudia Abreu, fez o público rir com as suas maldades e se encantar com seu sotaque e trejeitos hilários. Menção honrosa também para Ricardo Tozzi, interpretando o narcisista e vaidoso cantor pop Fabian, contrapondo-se ao recatado e tímido Inácio. Por meio de Chayenne, Fabian e das Empreguetes o universo dos bastidores e astros da música foi sendo explorado. Não faltaram cantores para dividir o palco com eles: Luan Santana, Michel Teló, Ivete Sangalo. A trilha sonora, empurrada por Gaby Amarantos cantando “EX MAI LOVE”, foi outro ponto positivo. Além disso, os números musicais foram muitíssimo bem coreografados e produzidos, e toda a trama ambientada no showbizz bastante verossímil.

A participação dos personagens em programas como Mais Você, Domingão do Faustão, Caldeirão do Huck, Encontro com Fátima, Esquenta, projetaram o telespectador da ficção para a realidade numa deliciosa brincadeira de faz de conta. O Fantástico, por sua vez, aproveitou o sucesso para promover a campanha “A empregada mais cheia de charme do Brasil”, em que domésticas enviaram vídeos seus e ainda tiveram a oportunidade de aparecer na novela. O concurso foi o segundo com mais inscrições este ano. Algo inédito para uma telenovela.

Aliás, o tempo todo a novela dialogou com a realidade: da questão social ao linguajar das ruas.

Foi assim ao estabelecer o embate entre patroetes e empreguetes, falando abertamente sobre a relação das empregadas domésticas com suas patroas, sem perder a delicadeza e o bom humor. Ambas, cada uma pertencendo a uma classe, mulheres trabalhadoras, mostradas com seu valor. A empregada ganhando seu dinheiro na casa da patroa como doméstica. A patroa recebendo seu salário trabalhando fora de casa. Para a final o esforço de ambas ser o mesmo: o sustento da família e a realização pessoal, e por vezes, a ascensão social.  

A novela foi sendo grafitada em cores e formas, do mesmo modo que os grafites e estênceis de Rodinei (JAYME MONJARDIM), que puderam ser vistos na exposição MUNDO DAS COISAS, no Espaço Cultural Eletrobrás Furnas, no Rio. Destaque merecido para essa arte de rua mostrada como uma nova forma de expressão cultural urbana, tirando os grafiteiros da marginalidade e elevando-os ao status de artistas.

Não fosse a barriga que toda novela de sucesso acaba tendo, como o repentino amor filial de Maria Aparecida por Ernani Sarmento (TATO GABUS), de quem nunca foi filha; o príncipe Elano (HUMBERTO CARRÃO) sendo trocado por Conrado (JONATAS FARO), ficando a ver navios até os últimos capítulos; o desfecho de Maria da Penha com um amor de R$1,99, Sandro (MARCOS PALMEIRA), o clone do Seu Boneco (convenhamos que a viajada empreguete merecia coisa melhor), a novela teria sido uma obra-prima.

Mas isso não lhe tira o mérito da fábula das três Marias, que explodiram com a sua música, ter sido inovadora e pioneira e, em especial, quanto à nova linguagem e interação com outras mídias. 

O elenco merece destaque também, pois os atores deram um show de talento e interpretação, inclusive a nível musical, o que fez com que o texto fluísse e envolvesse o telespectador, divertindo e fazendo rir, inclusive nas tramas secundárias. A quarta Maria, a Maria do Socorro (TITINA MEDEIROS), foi a grande e grata revelação.

A direção foi outro destaque. De nada adianta uma boa novela e elenco maravilhoso se a direção não está afinada. O núcleo da Denise Saraceni e direção geral de Carlos Araújo, deram agilidade à trama, assumindo o estilo kitsch e divertido das Empreguetes.


Em suma. Foi uma novela solar, colorida, pra cima, tudo o que a gente quer ver ao final do dia.



 



Shadow/Mariasun


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