AMOR À VIDA
AMOR À VIDA chegou ao último capítulo. O folhetim inicialmente iria chamar-se
EM NOME DO PAI, pessoalmente penso que o título teria sido mais adequado, uma
vez que a história girou em torno de Félix (Mateus Solano), o filho rejeitado
desde criança pelo pai, César (o veterano Antônio Fagundes), sua carência e
busca doentia pelo amor e aceitação paterna, cada vez mais distante. Mas, se assim fosse, a música de abertura não poderia
ser Vida Vida Vida com Daniel, portanto....

A escolha do elenco foi primorosa, mas alguns atores em especial se destacaram e
foram simplesmente brilhantes, dentre eles: Mateus Solano, Vanessa
Giácomo, Bruna Linzmeyer, Tatá Werneck e a veterana Elisabeth Savalla. Estes, sem sombra de
dúvida, merecem ser reverenciados e aplaudidos em pé.
Mateus Solano, o inesquecível Félix, um dos melhores personagens da
teledramaturgia brasileira, poderia ter sido mais um violãozinho indigesto, mas
incorporou o papel de maneira tão brilhante, tão original, tão fantástica que
acabou sendo adotado pelo público; apesar de suas vilanias e maldades, para
espanto geral, foi perdoado e aclamado, tendo em várias ocasiões sido a hastag
mais comentada no twitter, a tal ponto do autor ter se apiedado da “bicha má”
(carinhosamente apelidado pelo público) - que tinha tudo para ter tido um
trágico, triste e patético final - e lhe dado uma segunda chance e redenção.




De todos os temas abordados, porém, talvez o que mais tenha rendido seja
a cena do beijo gay entre Félix e Niko (Thiago Fragoso), sobre o qual muito se
falou durante toda a semana. Foi matéria do Jornal Nacional, Fantástico, de
várias redes de televisão, revistas, portais da net, jornais. Pioneirismo,
dizem alguns, quebra de tabus dizem outros. Pessoalmente, acho que há outras cenas
que se sobrepuseram ao beijo, como o desfecho e encontro antológico entre pai e
filho. Afinal o final feliz entre os dois personagens (Félix e Niko) era algo aprovado
e esperado pelo público em geral, assim como o beijo, que aconteceu na medida
certa, de forma natural e sem afetação ou excessos. O primeiro beijo entre dois
homens na novela das oito tem, de fato, valor histórico. Só não dá pra entender
é o tamanho do estardalhaço feito e a necessidade de se falar e repetir a cena
e buscar depoimentos e... Não haverá por trás disso uma nesga de preconceito camuflado???
A meu ver o grande mérito da novela foi a forma lírica e poética com que
o autismo foi tratado. Casais e beijos gays já haviam sido vistos até em outras
emissoras, mas, tratar uma doença psíquica com liberdade criativa, suavidade e
delicadeza, isso sim foi algo inédito, a ponto de despertar o interesse das pessoas.
Ressalte-se que muito disso se deve à primorosa interpretação de Bruna
Linzmeyer. Que Linda maravilhosa e inesquecível ela soube construir!
Os autistas assim como a Linda não são verbais. É preciso acreditar
neles e muito aprendizado por parte da família para se comunicar
com eles numa outra linguagem; é preciso ter fé para aprender a mudar o tempo,
o ritmo, os sentidos. E isso foi mostrado de forma terna, indelével e até
diáfana.
“Vocês não sabem o que eu sou. A vida toda. Presa. Presa dentro do meu
corpo. Presa. É como se tivesse uma parede, parede de vidro entre eu e vocês.
Parede de vidro. Vidro. Eu ouvia vocês, mas as vozes não entravam dentro de
mim, o sentido das coisas não entrava...” (Desabafo de Linda). Essa, a mais
pura, didática e clara definição do autismo.
Se o autismo tal como foi retratado passou longe da realidade, se o
casamento de Linda é algo distante para um autista, não importa. A discussão e
a polêmica postas na mesa é o que bastou. Além do mais, uma coisa é
indiscutível: sempre é e será possível transpor paredes de vidro por meio do amor, dos
gestos, da música, da pintura... Basta apenas o estímulo certo, o olhar, o
toque e acreditar, para ver a pessoa desabrochar refletindo seu mundo de vidro, talvez
até numa tela, por meio da pintora que possa se revelar a cada pincelada. Por que não?
O desfecho ao som da Quinta Sinfonia de Mahle e da referência ao filme
“MORTE EM VENEZA”, de Lucchino Visconti, ao lado de uma ótima fotografia, foi
de arrepiar. Após ficar com parte do corpo paralisado em razão do AVC, ver o todo poderoso
ex-Diretor do San Magno, cuidadosamente conduzido pelo filho, na cadeira de
rodas, até a beira da praia para ver o por do sol, reconhecendo com a voz
embargada, pela primeira vez: “- Eu também te amo, filho”, na brilhante interpretação de Antonio Fagundes e Mateus Solano, foi emocionante, antológico e emblemático. Palavras tão esperadas e nunca antes ditas, marcando o recomeço para pai e filho: assim como o sol se põe, ele nascerá trazendo um novo dia....
The perfect life, life
Is all we need
Shadow/Mariasun