PRAY FOR THE WORLD: A LUZ QUE BRILHA EM MEIO ÀS TREVAS - PARTE III
“A utopia está lá no horizonte.
Me aproximo dois passos,
ela se afasta dois passos.
ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a
utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar”
(Eduardo Galeano)
Os últimos dias não tem sido fáceis por
aqui e nem ao redor do mundo.
A quebra das barragens de minério em
Mariana e os atentados em Paris calaram fundo em nossos corações pela
destruição de vidas humanas e da natureza. Passado o choque,
a sensação de incredulidade e de perplexidade, seguiu-se a dor, o sofrimento, a
revolta, a raiva, o ódio e a sensação de impotência.
Uma pausa forçada se abriu para acompanhar
os noticiários televisivos, jornais, as atualizações da internet em tempo real,
os fóruns de discussão, os blogs especializados, as correntes de oração nas
inúmeras igrejas espalhadas pelo mundo, como que num movimento catártico para
tentar entender o incompreensível.
Quando os nossos sentidos se voltam para o
mesmo foco, vêm as inevitáveis perguntas:
- Como duas barragens se romperam sem que
nada tenha sido feito para evitar a catástrofe?
- De onde vieram as armas letais dos jihadistas
que estão matando inocentes indiscriminadamente?
Quando as respostas são, para a primeira: a
ganância e a cobiça, a inversão de valores que sobrepõe o lucro das mineradoras
às questões humanas e ambientais; e, para a segunda: parte das armas letais,
veio daqueles que hoje estão sendo atacados, usadas para depor tiranos e ditadores no Oriente Médio, na chamada Primavera Árabe, mas
que resultou no surgimento de extremistas sanguinários, que não tardaram em ocupar
o espaço deixado por aqueles. Quando as respostas são essas, sobrevêm uma
sensação de desamparo, desalento e solidão, porque se passa a ter a plena
convicção de que tragédias como essas, assim como tantas outras, poderiam ter
sido evitadas caso se tivesse feito e agido de forma diferente.
A sensação é a de estarmos sendo envolvidos
pelas trevas.
É desconcertante saber que as calamidades
quando não são naturais, são causadas pela ação ou omissão do homem. Não tem
como não ficar muito zangado com isso, nem como deixar de questionar a
prepotência dos governos, a deterioração dos valores humanos e fazer uma reflexão
forçada sobre a nossa vulnerabilidade e frágil condição humana.
Neste momento, estamos possuídos por uma
sensação de mal estar, indignação, inquietação, frustração e medo.
Em Mariana mais duas barragens ameaçam se
romper, com o risco eminente de agravar a maior tragédia ambiental do país. O Brasil possui mais de
600 (seiscentas) barragens de minério, uma parte delas classificadas como sendo
de alto risco. A Europa, por sua vez, vive a intranquilidade de saber que dentre
os grupos de refugiados que recebeu recentemente, entraram em seu território
4.500 (quatro mil e quinhentos) jihadistas infiltrados, o que faz com que a
ameaça e o terror estejam em seu próprio solo, à diferença do que ocorreu no 11
de setembro, quando o inimigo veio de fora, portanto, era detectável e visível.
É este um texto sobre desesperança? Não. É
um texto sobre a luz.
Nas palavras de Galeano, a nossa caminhada,
as nossas ações nos trouxeram até aqui. O futuro está nos passos que dermos a
seguir, e no outro, e no outro... A beleza da utopia é essa: saber que sempre
haverá mais um passo... E... eles, os novos passos, já estão sendo
dados...
Expostas as nossas fragilidades e receios,
em meio ao impacto das tristes imagens destes dias, é impossível não se admirar e enternecer com o que se viu crescer em meio à lama e ao terror.
Apesar da devastação e desolação sentidas
tanto em Mariana como em Paris foi possível contemplar o surgimento de uma
corrente do bem, revelando de modo eloquente que as grandes ou pequenas
tragédias podem abalar nossos sentidos, mas, jamais, a solidariedade.
Logo após a calamidade em Mariana doações
de todo o país começaram a chegar, verdadeiros mutirões iniciados no boca a
boca e nas redes sociais: voluntários deixaram a sua rotina e se deslocaram até
o lugar do desastre para ajudar no resgate de vítimas e de animais ou para
trabalhar na distribuição de mantimentos, levando uma palavra de conforto a
quem perdeu tudo; roupas, água, alimentos não param de chegar, doados até por
quem pouco tem.
O mesmo aconteceu em Paris. Após os
ataques, pessoas ofereciam seus lares para abrigar aqueles que caminhavam
desorientados pelas ruas; as redes sociais, tão criticadas como futilidades do
nosso tempo, demonstraram a sua importância, a informação estava lá: pessoas
oferecendo suas casas a desconhecidos como abrigo, a publicação de fotos de
pessoas desaparecidas procuradas pela família e amigos, correntes de repúdio e
de solidariedade, a "hastag" #prayforparis dominou as
comunicações nas redes sociais de todo o mundo; bem como, as comoventes e
sucessivas homenagens dos parisienses no day after às vítimas nos locais dos
atentados com orações, flores e velas.
A nobreza, a força e a luz
de pessoas anônimas envolvidas pela centelha da generosidade e compaixão em
meio à desesperança, escuridão e caos.
Uma das cenas mais
emblemáticas após os atentados na capital francesa foi o esvaziamento do Stade
de France com os torcedores cantando a Marselhesa, hino de seu país. É como se aquele
coro de vozes dissesse ao mundo: não baixaremos a cabeça, nossas raízes são fortes.
É por essa razão que as
trevas não dominarão o mundo, ao menos que deixemos.
Diante das calamidades e
das desgraças, ficamos mais sensíveis, solidários e bondosos, sem importar a
raça, sexo, nacionalidade, religião, profissão, escolaridade, classe social,
porque isso faz parte do humano do ser. É como se fossemos feitos da mesma
natureza da flor de lótus que desabrocha esplendorosa, linda e bela, no meio do
lodo.
O mal, o medo, a tragédia,
a calamidade, a dor, o sofrimento, a perda do outro, a morte, faz surgir uma
vontade incontrolável de fazer algo, resgata a solidariedade, dirige o olhar
para o próximo, fomenta a unidade, dilui as diferenças e depura o espírito.
Quando o desastre nos
atinge, ele abala e nos abate, mas, também revela uma força interior capaz de
mover montanhas, porque o sofrimento nos iguala e nivela, e, nos faz despertar.
É a luz divina que aquece e brota do coração de cada um, iluminando o mundo. É
isso que as ditaduras e os jihaditas, em sua crueza e perversidade, não entendem e
querem apagar. Eles desconhecem que há sempre uma luz iluminando o próximo
passo...
A noite vai passando e chegando ao seu final;
o dia logo alvorecerá.
Portanto, abandonemos as obras das trevas,
e revistamo-nos da armadura da luz.
(Romanos 13:12)
“Vocês não terão o meu ódio.
Na noite de sexta-feira, vocês acabaram com a vida de um ser
excepcional, o amor da minha vida, a mãe do meu filho, mas vocês não terão o
meu ódio. Eu não sei quem são e não quero saber, são almas mortas. Se esse Deus
pelo qual vocês matam cegamente nos fez à sua imagem, cada bala no corpo da
minha mulher terá sido uma ferida no seu coração.
Por isso, eu não vos darei o prêmio de vos odiar.
Vocês o procuraram, mas responder ao ódio com a cólera seria ceder à mesma
ignorância que vos fez ser quem são. Querem que eu tenha medo, que olhe para os
meus concidadãos com um olhar desconfiado, que eu sacrifique a minha liberdade
pela segurança. Perderam. Seguimos da mesma maneira.
Eu a vi nesta manhã. Finalmente, depois de noites e dias de espera. Ela ainda estava tão bela como quando partiu na noite de sexta-feira, tão bela como quando me apaixonei perdidamente por ela há mais de doze anos. Claro que estou devastado pela dor, concedo-vos esta pequena vitória, mas será de curta duração. Eu sei que ela vai nos acompanhar a cada dia e que vamos nos reencontrar no país das almas livres ao qual nunca terão acesso.
Nós somos dois, eu e o meu filho, mas somos mais fortes do que todos os exércitos do mundo. Eu não tenho mais tempo para vos dar, eu quero juntar-me a Melvil que acorda da sua sesta. Ele só tem 17 meses, vai comer como todos os dias, depois vamos brincar como fazemos todos os dias e, durante toda a sua vida, este rapaz vai fazer-vos a afronta de ser feliz e livre. Porque não, vocês nunca terão o seu ódio”.
Eu a vi nesta manhã. Finalmente, depois de noites e dias de espera. Ela ainda estava tão bela como quando partiu na noite de sexta-feira, tão bela como quando me apaixonei perdidamente por ela há mais de doze anos. Claro que estou devastado pela dor, concedo-vos esta pequena vitória, mas será de curta duração. Eu sei que ela vai nos acompanhar a cada dia e que vamos nos reencontrar no país das almas livres ao qual nunca terão acesso.
Nós somos dois, eu e o meu filho, mas somos mais fortes do que todos os exércitos do mundo. Eu não tenho mais tempo para vos dar, eu quero juntar-me a Melvil que acorda da sua sesta. Ele só tem 17 meses, vai comer como todos os dias, depois vamos brincar como fazemos todos os dias e, durante toda a sua vida, este rapaz vai fazer-vos a afronta de ser feliz e livre. Porque não, vocês nunca terão o seu ódio”.
( Carta de Antoine Leiris que perdeu a mulher, Hélène Muyal, 35 anos, nos atentados de 13 de novembro em Paris)
PRAY FOR THE WORLD
Shadow/Mariasun Montañés
O trabalho PRAY FOR THE WORLD: A LUZ QUE BRILHA EM MEIO AS TREVAS - PARTE III de MARIASUN MONTAÑÉS está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.