quinta-feira, 19 de novembro de 2015




PRAY FOR THE WORLD: A LUZ QUE BRILHA EM MEIO ÀS TREVAS - PARTE III


“A utopia está lá no horizonte.
Me aproximo dois passos, 
ela se afasta dois passos.
Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos.
Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia?
Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar” 
(Eduardo Galeano)


Os últimos dias não tem sido fáceis por aqui e nem ao redor do mundo.

A quebra das barragens de minério em Mariana e os atentados em Paris calaram fundo em nossos corações pela destruição de vidas humanas e da natureza. Passado o choque, a sensação de incredulidade e de perplexidade, seguiu-se a dor, o sofrimento, a revolta, a raiva, o ódio e a sensação de impotência.

Uma pausa forçada se abriu para acompanhar os noticiários televisivos, jornais, as atualizações da internet em tempo real, os fóruns de discussão, os blogs especializados, as correntes de oração nas inúmeras igrejas espalhadas pelo mundo, como que num movimento catártico para tentar entender o incompreensível.  

Quando os nossos sentidos se voltam para o mesmo foco, vêm as inevitáveis perguntas:

- Como duas barragens se romperam sem que nada tenha sido feito para evitar a catástrofe?

- De onde vieram as armas letais dos jihadistas que estão matando inocentes indiscriminadamente?

Quando as respostas são, para a primeira: a ganância e a cobiça, a inversão de valores que sobrepõe o lucro das mineradoras às questões humanas e ambientais; e, para a segunda: parte das armas letais, veio daqueles que hoje estão sendo atacados, usadas para depor tiranos e ditadores no Oriente Médio, na chamada Primavera Árabe, mas que resultou no surgimento de extremistas sanguinários, que não tardaram em ocupar o espaço deixado por aqueles. Quando as respostas são essas, sobrevêm uma sensação de desamparo, desalento e solidão, porque se passa a ter a plena convicção de que tragédias como essas, assim como tantas outras, poderiam ter sido evitadas caso se tivesse feito e agido de forma diferente.

A sensação é a de estarmos sendo envolvidos pelas trevas.

É desconcertante saber que as calamidades quando não são naturais, são causadas pela ação ou omissão do homem. Não tem como não ficar muito zangado com isso, nem como deixar de questionar a prepotência dos governos, a deterioração dos valores humanos e fazer uma reflexão forçada sobre a nossa vulnerabilidade e frágil condição humana.

Neste momento, estamos possuídos por uma sensação de mal estar, indignação, inquietação, frustração e medo.

Em Mariana mais duas barragens ameaçam se romper, com o risco eminente de agravar a maior tragédia ambiental do país. O Brasil possui mais de 600 (seiscentas) barragens de minério, uma parte delas classificadas como sendo de alto risco. A Europa, por sua vez, vive a intranquilidade de saber que dentre os grupos de refugiados que recebeu recentemente, entraram em seu território 4.500 (quatro mil e quinhentos) jihadistas infiltrados, o que faz com que a ameaça e o terror estejam em seu próprio solo, à diferença do que ocorreu no 11 de setembro, quando o inimigo veio de fora, portanto, era detectável e visível.

É este um texto sobre desesperança? Não. É um texto sobre a luz.

Nas palavras de Galeano, a nossa caminhada, as nossas ações nos trouxeram até aqui. O futuro está nos passos que dermos a seguir, e no outro, e no outro... A beleza da utopia é essa: saber que sempre haverá mais um passo... E... eles, os novos passos, já estão sendo dados...

Expostas as nossas fragilidades e receios, em meio ao impacto das tristes imagens destes dias, é impossível não se admirar e enternecer com o que se viu crescer em meio à lama e ao terror.

Apesar da devastação e desolação sentidas tanto em Mariana como em Paris foi possível contemplar o surgimento de uma corrente do bem, revelando de modo eloquente que as grandes ou pequenas tragédias podem abalar nossos sentidos, mas, jamais, a solidariedade.

Logo após a calamidade em Mariana doações de todo o país começaram a chegar, verdadeiros mutirões iniciados no boca a boca e nas redes sociais: voluntários deixaram a sua rotina e se deslocaram até o lugar do desastre para ajudar no resgate de vítimas e de animais ou para trabalhar na distribuição de mantimentos, levando uma palavra de conforto a quem perdeu tudo; roupas, água, alimentos não param de chegar, doados até por quem pouco tem.

O mesmo aconteceu em Paris. Após os ataques, pessoas ofereciam seus lares para abrigar aqueles que caminhavam desorientados pelas ruas; as redes sociais, tão criticadas como futilidades do nosso tempo, demonstraram a sua importância, a informação estava lá: pessoas oferecendo suas casas a desconhecidos como abrigo, a publicação de fotos de pessoas desaparecidas procuradas pela família e amigos, correntes de repúdio e de solidariedade, a "hastag" #prayforparis dominou as comunicações nas redes sociais de todo o mundo; bem como, as comoventes e sucessivas homenagens dos parisienses no day after às vítimas nos locais dos atentados com orações, flores e velas. 

A nobreza, a força e a luz de pessoas anônimas envolvidas pela centelha da generosidade e compaixão em meio à desesperança, escuridão e caos.

Uma das cenas mais emblemáticas após os atentados na capital francesa foi o esvaziamento do Stade de France com os torcedores cantando a Marselhesa, hino de seu país. É como se aquele coro de vozes dissesse ao mundo: não baixaremos a cabeça, nossas raízes são fortes.

É por essa razão que as trevas não dominarão o mundo, ao menos que deixemos.

Diante das calamidades e das desgraças, ficamos mais sensíveis, solidários e bondosos, sem importar a raça, sexo, nacionalidade, religião, profissão, escolaridade, classe social, porque isso faz parte do humano do ser. É como se fossemos feitos da mesma natureza da flor de lótus que desabrocha esplendorosa, linda e bela, no meio do lodo.

O mal, o medo, a tragédia, a calamidade, a dor, o sofrimento, a perda do outro, a morte, faz surgir uma vontade incontrolável de fazer algo, resgata a solidariedade, dirige o olhar para o próximo, fomenta a unidade, dilui as diferenças e depura o espírito.

Quando o desastre nos atinge, ele abala e nos abate, mas, também revela uma força interior capaz de mover montanhas, porque o sofrimento nos iguala e nivela, e, nos faz despertar. É a luz divina que aquece e brota do coração de cada um, iluminando o mundo. É isso que as ditaduras e os jihaditas, em sua crueza e perversidade, não entendem e querem apagar. Eles desconhecem que há sempre uma luz iluminando o próximo passo...


A noite vai passando e chegando ao seu final; 
o dia logo alvorecerá. 
Portanto, abandonemos as obras das trevas, 
e revistamo-nos da armadura da luz. 
(Romanos 13:12)




“Vocês não terão o meu ódio.
Na noite de sexta-feira, vocês acabaram com a vida de um ser excepcional, o amor da minha vida, a mãe do meu filho, mas vocês não terão o meu ódio. Eu não sei quem são e não quero saber, são almas mortas. Se esse Deus pelo qual vocês matam cegamente nos fez à sua imagem, cada bala no corpo da minha mulher terá sido uma ferida no seu coração.
Por isso, eu não vos darei o prêmio de vos odiar. Vocês o procuraram, mas responder ao ódio com a cólera seria ceder à mesma ignorância que vos fez ser quem são. Querem que eu tenha medo, que olhe para os meus concidadãos com um olhar desconfiado, que eu sacrifique a minha liberdade pela segurança. Perderam. Seguimos da mesma maneira.
Eu a vi nesta manhã. Finalmente, depois de noites e dias de espera. Ela ainda estava tão bela como quando partiu na noite de sexta-feira, tão bela como quando me apaixonei perdidamente por ela há mais de doze anos. Claro que estou devastado pela dor, concedo-vos esta pequena vitória, mas será de curta duração. Eu sei que ela vai nos acompanhar a cada dia e que vamos nos reencontrar no país das almas livres ao qual nunca terão acesso.
Nós somos dois, eu e o meu filho, mas somos mais fortes do que todos os exércitos do mundo. Eu não tenho mais tempo para vos dar, eu quero juntar-me a Melvil que acorda da sua sesta. Ele só tem 17 meses, vai comer como todos os dias, depois vamos brincar como fazemos todos os dias e, durante toda a sua vida, este rapaz vai fazer-vos a afronta de ser feliz e livre. Porque não, vocês nunca terão o seu ódio”.
( Carta de Antoine Leiris que perdeu a mulher, Hélène Muyal, 35 anos, nos atentados de 13 de novembro em Paris)

PRAY FOR THE WORLD


Shadow/Mariasun Montañés



Licença Creative CommonsO trabalho PRAY FOR THE WORLD: A LUZ QUE BRILHA EM MEIO AS TREVAS - PARTE III de MARIASUN MONTAÑÉS está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.




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