A ÁRVORE DE FLORES AMARELAS
Todas as
manhãs ao abrir a janela, eu a vejo. Linda, esplendorosa, em plena floração. Suas
flores amarelas parecem um imenso buque dourado a nos presentear com o que pode
haver de mais belo. Não à toa tornou-se a morada de alguns pássaros, que logo
ao alvorecer parecem saudar o dia com os seus trinados.
Ela sempre
esteve ali, muito embora o jardim já tenha sido muito diferente.
Quando a
notei pela primeira vez, estava cercada de flores e pequenos arbustos que pareciam
abrir caminho para um velho casarão, talvez remanescente da época
dos antigos barões do café. Tinha dois andares, grandes janelões azuis que se
destacavam das paredes brancas e uma sacada em arco de frente para o
jardim. Nele
morava uma senhorinha de cabelos brancos, que costumava sentar
em meio às flores para tomar sol. Ali ela ficava por algum tempo, em
contemplação, ouvindo o canto dos pássaros, quiçá perdida em suas lembranças.
As estações passaram... e da
última vez que a vi caminhava com dificuldade, agora sempre acompanhada por
outra pessoa.
Chegou o outono, e
com ele, as folhas começaram a cair forrando o chão do jardim e da calçada, à
espera da próxima estação.
Com os ventos e as chuvas, veio o
inverno. E de um dia para o outro o casarão foi demolido, dando
lugar a um estacionamento. Pouco restou do antigo jardim, a não ser a árvore, que
por milagre ali permaneceu.
Meses e meses se seguiram e,
em pouco tempo, ela passou a ser a única memória do passado em meio aos carros.
Não tardou
a ser anunciado o empreendimento de um prédio residencial naquele local. Temi
pela minha árvore. Sim,
minha árvore!!! No meu inconsciente, ela me pertencia. Já
tínhamos uma história juntas.
Quando as
primeiras máquinas chegaram ao terreno, meu coração se apertou!!! Fiquei
imaginando se seria possível arrancá-la para transplantá-la em outro jardim ou
parque. Haveria
esse cuidado???
Em mim parecia ecoar o refrão: “da força da grana que ergue e destrói coisas belas...”.
Em mim parecia ecoar o refrão: “da força da grana que ergue e destrói coisas belas...”.
Mas, para
minha surpresa, os arquitetos a cercaram com todo o cuidado para preservá-la
durante a construção. Por muito pouco não fui até lá para agradecer. É, eu sou assim, sensível e emotiva.
Caminhões entravam e
saiam passando por ela, paredes surgiam ao seu redor. E eu ficava na torcida para que ela
resistisse à poeira, escavações e à solidão. Ficava pensando se um dia voltaria
a ver as folhas verdes em seus galhos. Por enquanto, era apenas um tronco, com
algumas folhas empoeiradas.
E, por
incrível que pareça: finda a construção, ela ali estava. Com
poucas folhas e galhos é certo, mas ereta. Havia sobrevivido com teimosia e
valentia. Senti
um orgulho imenso dela e agradeci aos deuses e elfos da natureza!!!
Hoje,
reina em um pequeno jardim à frente do prédio, onde posso vê-la frondosa e bela,
emoldurada por lindas flores amarelas na primavera. Até os pássaros
voltaram para o seu antigo ninho, fazendo enorme algazarra logo aos primeiros
raios do sol. Não há melhor despertar do que esse!!! Em
retribuição, deixo na minha janela bebedouros, onde em agradecimento, fazem
verdadeiras estripulias, agitando as pequeninas asas e mergulhando nos pequenos
recipientes com água. Espetáculo único!!!
Quando
olho para a "minha
árvore", não posso deixar de pensar, na vida que pulsa tão perto da
gente.
Enquanto
pessoas passam apressadas pela calçada, carros buzinam impacientes, ela ali está, se renovando.
Não sei quantas
pessoas conseguem notá-la, ou, se nem mesmo os moradores do prédio a veem em
todo o seu esplendor. Em uma cidade como São Paulo nos acostumamos tanto a correr
contra o tempo, que
muitas vezes nos esquecemos de olhar para os lados e para o alto.
Diante
desse espetáculo diário, não há como deixar de notar que apesar da mudança das
estações, da constante transformação da cidade, da nossa metamorfose interior,
a natureza sempre estará pulsando ao nosso redor.
É o singelo milagre da vida!!!
É o singelo milagre da vida!!!
Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma... (Lavoisier)
A ÁRVORE DE FLORES AMARELAS de MARIASUN MONTAÑES está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.
Shadow/Mariasun Montañes