domingo, 12 de novembro de 2017






A ÁRVORE DE FLORES AMARELAS



Todas as manhãs ao abrir a janela, eu a vejo. Linda, esplendorosa, em plena floração. Suas flores amarelas parecem um imenso buque dourado a nos presentear com o que pode haver de mais belo. Não à toa tornou-se a morada de alguns pássaros, que logo ao alvorecer parecem saudar o dia com os seus trinados.

Ela sempre esteve ali, muito embora o jardim já tenha sido muito diferente.

Quando a notei pela primeira vez, estava cercada de flores e pequenos arbustos que pareciam abrir caminho para um velho casarão, talvez remanescente da época dos antigos barões do café. Tinha dois andares, grandes janelões azuis que se destacavam das paredes brancas e uma sacada em arco de frente para o jardim.  Nele morava uma senhorinha de cabelos brancos, que costumava sentar em meio às flores para tomar sol. Ali ela ficava por algum tempo, em contemplação, ouvindo o canto dos pássaros, quiçá perdida em suas lembranças.

As estações passaram... e da última vez que a vi caminhava com dificuldade, agora sempre acompanhada por outra pessoa.

Chegou o outono, e com ele, as folhas começaram a cair forrando o chão do jardim e da calçada, à espera da próxima estação.

Com os ventos e as chuvas, veio o inverno. E de um dia para o outro o casarão foi demolido, dando lugar a um estacionamento. Pouco restou do antigo jardim, a não ser a árvore, que por milagre ali permaneceu.

Meses e meses se seguiram e, em pouco tempo, ela passou a ser a única memória do passado em meio aos carros.

Não tardou a ser anunciado o empreendimento de um prédio residencial naquele local. Temi pela minha árvore. Sim, minha árvore!!! No meu inconsciente, ela me pertencia. Já tínhamos uma história juntas.

Quando as primeiras máquinas chegaram ao terreno, meu coração se apertou!!! Fiquei imaginando se seria possível arrancá-la para transplantá-la em outro jardim ou parque. Haveria esse cuidado???

Em mim parecia ecoar o refrão: “da força da grana que ergue e destrói coisas belas...”.

Mas, para minha surpresa, os arquitetos a cercaram com todo o cuidado para preservá-la durante a construção. Por muito pouco não fui até lá para agradecer. É, eu sou assim, sensível e emotiva.

Caminhões entravam e saiam passando por ela, paredes surgiam ao seu redor. E eu ficava na torcida para que ela resistisse à poeira, escavações e à solidão. Ficava pensando se um dia voltaria a ver as folhas verdes em seus galhos. Por enquanto, era apenas um tronco, com algumas folhas empoeiradas.

E, por incrível que pareça: finda a construção, ela ali estava. Com poucas folhas e galhos é certo, mas ereta. Havia sobrevivido com teimosia e valentia. Senti um orgulho imenso dela e agradeci aos deuses e elfos da natureza!!!

Hoje, reina em um pequeno jardim à frente do prédio, onde posso vê-la frondosa e bela, emoldurada por lindas flores amarelas na primavera. Até os pássaros voltaram para o seu antigo ninho, fazendo enorme algazarra logo aos primeiros raios  do sol. Não há melhor despertar do que esse!!! Em retribuição, deixo na minha janela bebedouros, onde em agradecimento, fazem verdadeiras estripulias, agitando as pequeninas asas e mergulhando nos pequenos recipientes com água. Espetáculo único!!!

Quando olho para a "minha árvore", não posso deixar de pensar, na vida que pulsa tão perto da gente.

Enquanto pessoas passam apressadas pela calçada, carros buzinam impacientes, ela ali está, se renovando.

Não sei quantas pessoas conseguem notá-la, ou, se nem mesmo os moradores do prédio a veem em todo o seu esplendor. Em uma cidade como São Paulo nos acostumamos tanto a correr contra o tempo, que muitas vezes nos esquecemos de olhar para os lados e para o alto.


Diante desse espetáculo diário, não há como deixar de notar que apesar da mudança das estações, da constante transformação da cidade, da nossa metamorfose interior, a natureza sempre estará pulsando ao nosso redor. 

É o singelo milagre da vida!!!





Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma... (Lavoisier)




Shadow/Mariasun Montañes


Licença Creative CommonsA ÁRVORE DE FLORES AMARELAS de MARIASUN MONTAÑES está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional.




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