segunda-feira, 28 de janeiro de 2019




BRUMADINHO. BARRAGEM DA MINA DO FEIJÃO. UM CRIME ANUNCIADO. 


Oh, Minas Gerais!
Oh, Minas Gerais!
Quem te conhece não esquece jamais
Oh, Minas Gerais!

Minas Gerais é um Estado privilegiado. Sua paisagem verde, estática e bela, nos faz mergulhar em contemplação profunda, enquanto a natureza pulsa ao som de pássaros e cachoeiras cristalinas...

É... Minas Gerais... quem te conhece, não esquece jamais... Dá vontade de colocar aquela região em uma grande redoma, para que ela assim continuasse: segura, protegida, em especial, da ação do homem. 

Deveria ser criada uma lei para transformar todo um Estado em museu natural. Um museu a céu aberto... a fim de garantir que as futuras gerações pudessem desfrutar de seus encantos, conhecer os  sentimentos que o balançar das folhas ao vento das frondosas árvores despertam, entrar em contato com o ritmo cadenciado de seus rios e cachoeiras e a força da vida animal que ali habita...

Não por acaso lá está a sede de um dos mais importantes e belos acervos de arte contemporânea do Brasil: o Instituto Inhotim, o maior museu a céu aberto do Mundo!!! Cravado na Mata Atlântica em Brumadinho, a 60 quilômetros de Belo Horizonte, símbolo da suave e delicada expressão da arte do homem em harmonia com a arte da natureza. O mesmo homem que por desgraça também conhece a arte da destruição.

Ironicamente, a poucos quilômetros do Instituto Inhotim, em meio à paradisíaca paisagem de Brumadinho, numa manhã quente, silenciosa, de céu azul, 25 de janeiro,... um estrondo assustador ecoou... Gritos de horror se seguiram... Choro... Surpresa... Pânico... Espanto... Desespero... Morte... Um tsunami de lama em fúria varria tudo à sua frente: pessoas eram soterradas vivas, casas arrasadas, veículos moídos, pontes destruídas, animais e peixes atolados e sufocados no lamaçal, árvores arrancadas... até chegar ao leito do Rio Paraopeba, afluente do Rio São Francisco, uma das principais fontes de renda dos ribeirinhos e de abastecimento de água da região de Belo Horizonte.

A barragem da Mina do Feijão da Companhia Vale, não mais Vale do Rio Doce, para não fazer alusão à morte do Rio Doce, se rompeu. Resultado do descaso do homem pela vida humana e biodiversidade da região.

Novamente a cor marrom nas águas do rio, devido aos rejeitos tóxicos que chegaram ao manancial; novamente peixes e animais mortos à beira do rio; novamente a vegetação arrancada da terra; novamente o cenário de desolação... novamente pessoas ao desabrigo... novamente a morte, desta vez um número inimaginável de mortos, cujos corpos de alguns jamais serão encontrados.

Ainda raivosos e em choque nos perguntamos: Até quando?!?

Há três anos escrevi sobre o mesmo assunto. Sabia que voltaria a escrever. Todos sabíamos que seria uma questão de tempo para a tragédia se repetir... Porque neste país não aprendemos com a nossa história. Porque neste país a impunidade impera. Porque neste país a memória é curta.

Há três anos, a barragem do Fundão se rompeu, aniquilando as cidadezinhas de Bento Rodrigues e Paracatu de Baixo, impactando cidades mineiras e capixabas, e, sepultando para sempre o doce Rio Doce, que tanta vida e beleza trouxe aos ribeirinhos e municípios por onde passava, até tocar o mar. Esse foi e é o maior desastre ambiental do Brasil e um dos maiores do mundo.

Decorridos três anos não houve uma condenação, ninguém foi preso, nenhum diretor foi responsabilizado; as prometidas e devidas indenizações a quem perdeu pessoas queridas, a fonte de renda e ficou ao desabrigo, ainda não foram pagas. Isso tem nome: chama-se impunidade!!!

A impunidade é a lama que devastou e continua devastando este país. É dessa impunidade que as mineradoras e empresas como a Vale, se aproveitam.

Dói saber que o Estado de Minas Gerais possui setecentas barragens. Dói saber que as soluções para evitar novas tragédias não vêm. Dói saber que discursos vazios, não são suficientes para amenizar a dor ou restituir o que já se perdeu. Dói saber que a Justiça tarda e falha, ao estagnar diante de Recursos meramente protelatórios, nada justos. Dói saber que esses crimes acontecem, porque as empresas trabalham com risco calculado; entendem que é mais barato pagar indenizações do que diminuir a sua atividade ou investir em novas tecnologias... o lucro... sempre o lucro em primeiro lugar... Por isso operam no limite de sua capacidade, enquanto as fissuras aparecem e a água começa a minar até a barragem romper.

Por parte das mineradoras, não há investimentos efetivos em segurança, nem mesmo para com os seus funcionários, haja vista que o refeitório da Vale e a parte administrativa estavam abaixo da barragem, na rota da torrente de lama em caso de uma eventual ruptura. As pessoas que vivem ao entorno das barragens, deliberadamente não são informadas dos riscos que correm. Não há um plano de evacuação. Não há preocupação com a vida humana e muito menos ambiental. A preocupação é com o faturamento, o valor das ações da Companhia na Bolsa de Valores e os dividendos a serem divididos entre acionistas e gestores.

Por parte do Governo não há fiscalização. E quando a há, ela é superficial, baseada em laudos que minimizam os problemas, ou, em leis que são aprovadas pelo Legislativo, por lobby das mineradoras, para minimizar medidas de impacto ambiental, isentar de responsabilidade seus diretores pelo risco da atividade e estabelecer prazos mais curtos para a concessão de licenças, fundamentado basicamente em declarações e medidas do órgão ambiental responsável, sem que haja um processo para avaliar o efetivo potencial de risco, projetos que limitem a capacidade de operação das mineradoras, estabeleçam rigorosas normas de descarte dos rejeitos tóxicos e estipulem penas pesadas diante de desastres, que podem ser evitados com investimentos na prevenção e segurança.

Está tudo errado!!!

Enquanto a questão se restringir ao uso político da tragédia e a uma queda de braço entre esquerda e direita para encontrar culpados, não avançaremos. Os dias passarão. Os mortos serão enterrados. A Vale continuará operando sob a mesma direção. E tudo continuará como dantes no quartel de Abrantes, onde todos opinam e tudo fenece.

É chegada a hora de cobrar dos órgãos competentes mudanças e ações efetivas para que o desenvolvimento não seja incompatível com a vida humana e o meio ambiente.

A bela paisagem já não tem a vida e a beleza de ontem. Mas, as punições podem e devem ser aplicadas. Sem demora. Sem protelação. Sem dó nem piedade.

Que as indenizações sejam pesadas e pagas de imediato, sem delongas. Que os gestores, que negligenciaram a vida, percam os cargos, sejam processados e presos. Que as leis de concessão de licença para a exploração de minérios sejam mais rigorosas. Que a fiscalização das mineradoras seja periódica e efetiva. Só assim, novos crimes como o de Mariana e Brumadinho poderão ser evitados.

Até o momento, 292 pessoas continuam desaparecidas, 192 foram resgatadas e 60 mortes confirmadas. Incontáveis animais e peixes,  típicos da região também sucumbiram, assim como, parte da vegetação típica que foi arrancada. Não há palavras que possam descrever tamanha desolação.

Nem mesmo Carlos Drummond de Andrade em seu poema “Lira Itabira”, onde o poeta denuncia o conflito entre a mineradora e a vida do Rio Doce, poderia imaginar ou mensurar tamanha devastação:

“O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!
A dívida interna
A dívida externa
A dívida eterna
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?”






Shadow/Mariasun Montañés

Deixo o link da postagem que fiz por ocasião do desastre em Mariana: 

Licença Creative CommonsBRUMADINHO. BARRAGEM DA MINA DO FEIJÃO. UM CRIME ANUNCIADO. De MARIASUN MONTAÑÉS está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0  Internacional.


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