TÓQUIO 2020 - A OLIMPÍADA DA SUPERAÇÃO
Em 2016, a primeira Olimpíada
realizada na América do Sul despediu-se do Rio de Janeiro mirando Tóquio 2020.
Na festa de encerramento, ao
ritmo de muita brasilidade, imaginava-se a grandiosidade, simbolismo e
criatividade com que os esportes olímpicos seriam recepcionados na terra do sol
nascente.
O que era impensável naquele
momento é que, em 2020, uma pandemia mudaria o mundo, impondo mudanças e
transformações no dia-a-dia de todos nós, atletas ou não.
O isolamento social e o distanciamento
físico diante da Covid-19 impediram a realização da Olimpíada, muito embora, já
em 2019, Tóquio estivesse com as instalações praticamente prontas para receber
as delegações dos quatro cantos do planeta.
O maior evento esportivo realizado
de 4 em 4 anos, foi adiado para o ano seguinte pela primeira vez.
Anteriormente, os Jogos da Era Moderna, haviam sido cancelados apenas em três
ocasiões: 1916, 1940 e 1944, em razão das duas guerras mundiais.
Desta vez, a guerra travada contra
o coronavírus atrapalhou, mas não impediu a realização dos jogos em 2021 e nem
que os atletas mostrassem a sua capacidade de superação. Sim, superação!
Com o adiamento da Olimpíada, sem
competições e a quarentena, os treinos tiveram que ser adaptados em casa para manter o condicionamento físico. Exercícios de força,
aeróbio, abdômen, pernas e braços, pesos, elásticos, bolas, halteres foram improvisados em meio aos móveis do quarto e da sala, usando até familiares como
sparing.
Nesse período, muitas foram as
histórias e imagens caseiras dos treinos desses atletas fantásticos, que na
busca do sonho pela medalha olímpica encantaram ao mundo.
Definitivamente, a Olimpíada de
Tóquio será para sempre lembrada como a dos jogos olímpicos da superação e da esperança.
Se o esporte tem o poder de unir
o país em torno das conquistas de seus atletas, desta feita, conseguiu unir o
planeta em rede.
Apesar das arquibancadas vazias e
do silêncio durante as competições, a cada medalha conquistada, a cada recorde
batido, a cada história contada, as incertezas que o vírus trouxe foram sendo
vencidas por meio da perseverança e determinação. “A vida não para” esse foi o
recado. Uma lição e aprendizado de crença e fé para todos.
Não deixa de ser curioso que,
justamente num período tão imprevisível de perdas e desalento, a Olimpíada do
vírus tenha sido realizada no Japão. Um país de cultura milenar e fiel a suas
tradições, que acredita no sagrado em conexão com a natureza.
As transformações e mudanças que
o cenário pandêmico trouxe, de alguma maneira, também acabou nos conectando ao
sagrado e à natureza. Nesse sentido, nada mais simbólico e transformador do que
a chama olímpica acessa numa representação da flor de lótus em celebração à vida, após um período
de luto e de grandes perdas. Curiosamente, há 57 anos, em 1964, na abertura da
primeira Olimpíada realizada no Japão, a pira olímpica foi acessa por um
sobrevivente da bomba atômica, representando a vida e a reconstrução diante da
catástrofe e da destruição.
Duas Olimpíadas, dois momentos históricos distintos no mesmo país simbolizados pela pira olímpica: mesmo após um período de dor,
devastação, peste e morte, é possível manter acessa a chama renovadora da
vida.
A Olimpíada de Tóquio foi emblemática e permeada por muitas
histórias, símbolos e lições.
A história mais marcante e contundente talvez tenha sido contada por Simone Biles, um fenômeno na ginástica artística e maior
medalhista da Olimpíada de 2016. Em 2021, ela voltou a desafiar as previsões e a ser protagonista dos jogos olímpicos. Agora, não pelo número de medalhas
conquistado, mas por haver desistido de disputar a maioria das provas para as
quais havia se classificado. Diante da pressão psicológica para continuar sendo
a número “um”, preferiu resguardar-se.
Biles humanizou-se perante o olhar
perplexo do mundo. Às vezes, é preciso dar um passo atrás para tentar manter o
equilíbrio físico e mental.
Atletas ou não, por vezes, o peso
das expectativas e das cobranças – externas ou internas – podem sufocar e ser insuportáveis. É preciso ter coragem e grandeza para reconhecer nossa
impotência, medos, limites, dores, dificuldades e o fato de não sermos perfeitos e
infalíveis. Somos apenas humanos. Simone Biles, apesar de suas habilidades
físicas extraordinárias, revelou não ser uma deusa do Olimpo. Somos mortais até
nos esportes olímpicos e é respeitando essa condição que a vida merece ser
vivida.
Os atletas brasileiros sabem bem
o que isso representa.
O Brasil conquistou 21 medalhas:
7 de ouro, 6 de prata e 8 de bronze. Fizeram bonito, não apenas os que subiram
ao pódio, mas todos os que participaram dos jogos olímpicos. O recorde de
medalhas foi batido, apesar da falta de patrocínio, da falta de recursos para treinar,
do corte de investimentos do poder público na preparação dos atletas, da falta
de incentivo, da falta de material, da falta de equipamentos, da falta de tênis para calçar, do desmonte gradual
das estruturas esportivas. Jair Bolsonaro acabou até com o Ministério do
Esporte, reduzindo o repasse da lei de incentivo ao esporte. A Lei Agnelo Piva, cujo valor sequer sai dos cofres públicos, mas de um montante proporcional da arrecadação bruta
das loterias federais.
Diante dessa realidade, impossível não admirar e se
emocionar com a “fadinha do skate” Rayssa Leal, Kelvin Hoefler, Ítalo Ferreira,
Rebeca Andrade, Daniel Cargnin, Fernando Scheffer, Mayra Aguiar, Bruno Fratus,
Laura Pigossi e Luisa Stefani, Martine Grael e Kahena Kunze, Alison dos Santos,
Thiago Braz, Ana Marcela Cunha, Abner Teixeira, Pedro Barros, Isaquias Queiroz,
Hebert Conceição, Beatriz Ferreira.
Todos eles merecedores das medalhas conquistadas. Conseguiram o inimaginável:
ir da falta de suporte ao pódio. O retrato de muitos brasileiros em seus
sonhos, perseverança, força, tenacidade e, principalmente, superação. Brilharam
por meio do esporte que abraçaram, ao mesmo tempo em que, foram abraçados por outros
jovens que espelhando-se neles, sonham em percorrer o mesmo caminho, na esperança
de um dia subir ao pódio.
O Brasil sendo um país
continental poderia ser uma potência olímpica, considerando os talentos que
estão à espera de patrocínio ou até de serem descobertos, se houvesse maiores investimentos no esporte.
As bolsas pagas pelo governo são escassas e oferecem poucas condições de sobrevivência aos atletas. Para se ter uma ideia: 41 esportistas olímpicos reuniram
recursos por meio de uma vaquinha on-line para poder ir a Tóquio. Sem palavras!
Hoje, o Japão deu adeus aos jogos
olímpicos, mirando Paris 2024.
Além dos esforços dos japoneses para a
realização da Olimpíada em um momento atípico e delicado diante da pandemia, ficam
os ramos de girassol, lisianto, gengiana, aspidistra dos buquês entregues aos
medalhistas, flores cultivadas principalmente nas áreas destruídas pelo grande
terremoto e tsunami de 2011, como símbolo de esperança e de gratidão ao mundo
pela cooperação e solidariedade diante da tragédia. Talvez o espírito olímpico
seja feito dessas flores.
(Mariasun Montañés)
