domingo, 8 de agosto de 2021

 



TÓQUIO 2020 - A OLIMPÍADA DA SUPERAÇÃO

 

Em 2016, a primeira Olimpíada realizada na América do Sul despediu-se do Rio de Janeiro mirando Tóquio 2020.

Na festa de encerramento, ao ritmo de muita brasilidade, imaginava-se a grandiosidade, simbolismo e criatividade com que os esportes olímpicos seriam recepcionados na terra do sol nascente.

O que era impensável naquele momento é que, em 2020, uma pandemia mudaria o mundo, impondo mudanças e transformações no dia-a-dia de todos nós, atletas ou não.

O isolamento social e o distanciamento físico diante da Covid-19 impediram a realização da Olimpíada, muito embora, já em 2019, Tóquio estivesse com as instalações praticamente prontas para receber as delegações dos quatro cantos do planeta.

O maior evento esportivo realizado de 4 em 4 anos, foi adiado para o ano seguinte pela primeira vez. Anteriormente, os Jogos da Era Moderna, haviam sido cancelados apenas em três ocasiões: 1916, 1940 e 1944, em razão das duas guerras mundiais.

Desta vez, a guerra travada contra o coronavírus atrapalhou, mas não impediu a realização dos jogos em 2021 e nem que os atletas mostrassem a sua capacidade de superação. Sim, superação!

Com o adiamento da Olimpíada, sem competições e a quarentena, os treinos tiveram que ser adaptados em casa para manter o condicionamento físico. Exercícios de força, aeróbio, abdômen, pernas e braços, pesos, elásticos, bolas, halteres foram improvisados em meio aos móveis do quarto e da sala, usando até familiares como sparing.

Nesse período, muitas foram as histórias e imagens caseiras dos treinos desses atletas fantásticos, que na busca do sonho pela medalha olímpica encantaram ao mundo.

Definitivamente, a Olimpíada de Tóquio será para sempre lembrada como a dos jogos olímpicos da superação e da esperança.

Se o esporte tem o poder de unir o país em torno das conquistas de seus atletas, desta feita, conseguiu unir o planeta em rede.

Apesar das arquibancadas vazias e do silêncio durante as competições, a cada medalha conquistada, a cada recorde batido, a cada história contada, as incertezas que o vírus trouxe foram sendo vencidas por meio da perseverança e determinação. “A vida não para” esse foi o recado. Uma lição e aprendizado de crença e fé para todos.

Não deixa de ser curioso que, justamente num período tão imprevisível de perdas e desalento, a Olimpíada do vírus tenha sido realizada no Japão. Um país de cultura milenar e fiel a suas tradições, que acredita no sagrado em conexão com a natureza.

As transformações e mudanças que o cenário pandêmico trouxe, de alguma maneira, também acabou nos conectando ao sagrado e à natureza. Nesse sentido, nada mais simbólico e transformador do que a chama olímpica acessa numa representação da flor de lótus em celebração à vida, após um período de luto e de grandes perdas. Curiosamente, há 57 anos, em 1964, na abertura da primeira Olimpíada realizada no Japão, a pira olímpica foi acessa por um sobrevivente da bomba atômica, representando a vida e a reconstrução diante da catástrofe e da destruição.

Duas Olimpíadas, dois momentos históricos distintos no mesmo país simbolizados pela pira olímpica: mesmo após um período de dor, devastação, peste e morte, é possível manter acessa a chama renovadora da vida.

A Olimpíada de Tóquio foi emblemática e permeada por muitas histórias, símbolos e lições.

A história mais marcante e contundente talvez tenha sido contada por Simone Biles, um fenômeno na ginástica artística e maior medalhista da Olimpíada de 2016. Em 2021, ela voltou a desafiar as previsões e a ser protagonista dos jogos olímpicos. Agora, não pelo número de medalhas conquistado, mas por haver desistido de disputar a maioria das provas para as quais havia se classificado. Diante da pressão psicológica para continuar sendo a número “um”, preferiu resguardar-se.

Biles humanizou-se perante o olhar perplexo do mundo. Às vezes, é preciso dar um passo atrás para tentar manter o equilíbrio físico e mental.

Atletas ou não, por vezes, o peso das expectativas e das cobranças – externas ou internas – podem sufocar e ser insuportáveis. É preciso ter coragem e grandeza para reconhecer nossa impotência, medos, limites, dores, dificuldades e o fato de não sermos perfeitos e infalíveis. Somos apenas humanos. Simone Biles, apesar de suas habilidades físicas extraordinárias, revelou não ser uma deusa do Olimpo. Somos mortais até nos esportes olímpicos e é respeitando essa condição que a vida merece ser vivida.

Os atletas brasileiros sabem bem o que isso representa.

O Brasil conquistou 21 medalhas: 7 de ouro, 6 de prata e 8 de bronze. Fizeram bonito, não apenas os que subiram ao pódio, mas todos os que participaram dos jogos olímpicos. O recorde de medalhas foi batido, apesar da falta de patrocínio, da falta de recursos para treinar, do corte de investimentos do poder público na preparação dos atletas, da falta de incentivo, da falta de material, da falta de equipamentos, da falta de tênis para calçar, do desmonte gradual das estruturas esportivas. Jair Bolsonaro acabou até com o Ministério do Esporte, reduzindo o repasse da lei de incentivo ao esporte. A Lei Agnelo Piva, cujo valor sequer sai dos cofres públicos, mas de um montante proporcional da arrecadação bruta das loterias federais.

Diante dessa realidade, impossível não admirar e se emocionar com a “fadinha do skate” Rayssa Leal, Kelvin Hoefler, Ítalo Ferreira, Rebeca Andrade, Daniel Cargnin, Fernando Scheffer, Mayra Aguiar, Bruno Fratus, Laura Pigossi e Luisa Stefani, Martine Grael e Kahena Kunze, Alison dos Santos, Thiago Braz, Ana Marcela Cunha, Abner Teixeira, Pedro Barros, Isaquias Queiroz, Hebert Conceição, Beatriz Ferreira.

Todos eles merecedores das medalhas conquistadas. Conseguiram o inimaginável: ir da falta de suporte ao pódio. O retrato de muitos brasileiros em seus sonhos, perseverança, força, tenacidade e, principalmente, superação. Brilharam por meio do esporte que abraçaram, ao mesmo tempo em que, foram abraçados por outros jovens que espelhando-se neles, sonham em percorrer o mesmo caminho, na esperança de um dia subir ao pódio.

O Brasil sendo um país continental poderia ser uma potência olímpica, considerando os talentos que estão à espera de patrocínio ou até de serem descobertos, se houvesse maiores investimentos no esporte. As bolsas pagas pelo governo são escassas e oferecem poucas condições de sobrevivência aos atletas. Para se ter uma ideia: 41 esportistas olímpicos reuniram recursos por meio de uma vaquinha on-line para poder ir a Tóquio. Sem palavras!

Hoje, o Japão deu adeus aos jogos olímpicos, mirando Paris 2024.

Além dos esforços dos japoneses para a realização da Olimpíada em um momento atípico e delicado diante da pandemia, ficam os ramos de girassol, lisianto, gengiana, aspidistra dos buquês entregues aos medalhistas, flores cultivadas principalmente nas áreas destruídas pelo grande terremoto e tsunami de 2011, como símbolo de esperança e de gratidão ao mundo pela cooperação e solidariedade diante da tragédia. Talvez o espírito olímpico seja feito dessas flores.

(Mariasun Montañés)

 


 

Licencia de Creative CommonsTÓQUIO 2020 - A OLIMPÍADA DA SUPERAÇÃO by MARIASUN MONTAÑÉS is licensed under a Creative Commons Reconocimiento-NoComercial-SinObraDerivada 4.0 Internacional License.

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...