Quando era criança, Valquíria costumava esperar com ansiedade pelas férias, pensando na viagem que todos fariam. No dia programado, muito antes do sol raiar, ela e a Leninha acordavam alvoroçadas e tagarelando. Enquanto Dna. Rosa preparava o café, o Seu Armando ia colocando e ajeitando a bagagem no carro.
À medida que o Fusquinha pegava a estrada, e durante o caminho, Val ia imaginando como seria o lugar para onde aquelas curvas e retas os levaria, as novidades que estariam reservadas, as experiências pelas quais passaria, os novos amigos que faria. Tudo era mágico e belo, apesar das longas horas de viagem, do farelo de bolacha que teimava em se espalhar pelo carro, do congestionamento que retardava a chegada, de ter que dividir o banco de trás com a Lena, o cachorro e a bagagem.
Não havia nada que pudesse tirar a alegria daqueles dias. Aliás, no fundo, sua maior felicidade era poder passar mais tempo com o Seu Armando, seu pai. Ele era um homem admirável e especial, profundo conhecedor da alma humana, caridoso, companheiro da mulher e amigo das filhas; tinha o ouvido apurado (nada lhe escapava), com um simples olhar era capaz de aplacar a dor e serenar os ânimos; não desperdiçava as palavras, usava-as quase sempre com sabedoria; tinha grande habilidade com as mãos, era comum vê-lo nos finais de semana, talhando brinquedos para as filhas (um cavalinho, um soldadinho de chumbo, uma cadeirinha de balanço,...), além de ser o melhor contador de histórias que qualquer criança poderia ter. Graças a ele, Val e Leninha, puderam conhecer também o mundo fantástico das fadas, duendes, príncipes e princesas, anjos, cheiros, sons, palavras, mistérios, onde a imaginação se perdia.
E as viagens então?
Ah, como ele gostava de dar aqueles passeios para a família! Ficava meses e meses planejando as férias, parecia que trabalhava o ano inteiro para economizar dinheiro e poder presenteá-las com eles.
Cada ano era para um lugar diferente. Foi assim que a Val e a Leninha conheceram cidades históricas e parte da História do Brasil, lugares pitorescos do norte ao sul do país, praias das mais variadas, recantos escondidos entre as montanhas, aprenderam a fazer amigos e a se doar, como o seu pai se doava a elas.
Era danado ele! Hoje não tem como não associar essas viagens a cada uma das etapas da vida delas. É só pensar num lugar, e lá vem a recordação daqueles dias e da figura emblemática de Seu Armando.
Ainda é bem viva na memória da Val a viagem feita a Camboriú, o sofrimento, o choro e a contrariedade ao entrar no carro, por estar deixando o namorado com quem havia brigado no dia anterior. "Por quê todo mundo tem sempre que ir pro mesmo lugar feito arrastão?", se questionava. Durante todo o trajeto permaneceu de óculos escuros, soluçando baixinho, pra ninguém perceber. Esforço desperdiçado, diga-se de passagem, pois até um cego seria capaz de notar a desolação e agitação que se apossavam dela.
Hoje sorri ao lembrar de tudo disso. "Como eu era boba naquela época!". Afinal, não fosse aquela viagem, não teria conhecido no teleférico, indo para a Praia das Laranjeiras, o Rubinho, com quem acabou casando anos mais tarde, e que lhe deu a Bia, tornando o Seu Armando, avô. É como se seu pai tivesse conspirado uma vida inteira para que fosse assim! Não poderia haver lugar mais perfeito e romântico para um primeiro encontro, lá no alto, tendo ao fundo as encostas verdes rodeadas por um mar azul de águas mansas e tranquilas.
Aliás, essa foi uma das últimas viagens que fez com o pai. Já na Universidade e com o namoro engatilhado, não tardou a começar viajar com a turma, deixando para trás os passeios em família.
Foi assim, entre uma viagem e outra, que Seu Armando viu as filhas se tornarem senhoras do próprio destino. Enquanto teve tempo e saúde, soube proporcionar à Bia, sua neta, filha da Val, alguns mágicos e inesquecíveis passeios também.
Para a Val, nunca mais haverá férias tão boas. Poderão vir até outras melhores, mas jamais será a mesma coisa. O tempo parece ter permanecido estanque para eternizar-se naqueles dias.
"Eterno, é tudo aquilo que dura uma fração de segundo, mas com tamanha intensidade, que se petrifica, e nenhuma força jamais o resgata". (Carlos Drummond de Andrade)
"Sábio é o pai que conhece o próprio filho". (William Shakespeare)
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