sexta-feira, 17 de junho de 2011




A FESTA JUNINA DO DUDU E TODA A TURMA






Dudu ainda está inconformado por não poder assistir a abertura da Copa de 2014 no Morumbi.É de fato muito difícil para uma criança entender que por questões políticas e revanchismos o maior Estádio de Futebol de São Paulo e um dos mais importantes da América Latina, tenha sido preterido e excluído de sediar os jogos do Mundial. 

Mais difícil de entender ainda, é que a Prefeitura de São Paulo tenha doado um terreno público (do povo), em Itaquera, a um clube particular, o Corinthians, e, além disso, esteja disposta a bancar a construção do Estádio desse clube, destinando, só pra começar, R$ 420 milhões de reais em detrimento dos contribuintes paulistanos, que sequer ficarão sabendo o valor da fatura por conta da Medida Provisória do Governo Dilma, que visa esconder os orçamentos da Copa 2014. O Dudu no auge de sua inocência, já concluiu que o ilustre Sr. Prefeito deve estar pretendendo concorrer às próximas eleições para a Presidência do Timão. Só isso explicaria tantos desatinos. Depois ninguém entende porque muitos torcedores preferem seus Clubes à Seleção Brasileira.

Em meio a isso, o mês de Junho chegou; tempo de quadrilha, milho cozido, pinhão, fogueira, fogos de artifício, simpatias e diversão, pra fazer o Dudu esquecer um pouco do futebol.

Este ano ele vai participar da quadrilha na escola. Foi escolhido pra ser o noivinho junto com a Bianca. Ninguém entendeu muito bem como é que ele aceitou entrar no arrasta pé, já que nunca foi muito fã de dançar agarradinho com menina, por conta das brincadeiras dos amigos depois: é namorado, tá namorando!...

Lá está ele todo prosa de camisa xadrez, calça jeans remendada, chapéu, bota e bigodinho pintado no rosto em meio aos balões e bandeirolas coloridas. 

Enquanto aguarda a apresentação do filho, Paulo conversa com o Kaká, padrinho do menino e seu convidado de honra.

- Sabe Kaká, as festas juninas me trazem lembranças daqueles fins de semana no Ipiranga, lá no clube; os ensaios da quadrilha com os passos de sempre: cavalheiros cumprimentam as damas, olha a chuva, já passou, caminho da roça, cada um com seu par, ...

- Nem me fale! A escolha do par sempre terminava em briga entre as meninas. Lembra da Leila? Ficou semanas de cara virada, só porque a Letícia acabou sendo o meu par. Agora como é que eu ia dizer não pra menina, que grudou em mim só porque não queria ficar sobrando!

- A Letícia até que era jeitosinha, pior quando o par era aquela que sobrava e ninguém queria. Haja gozação! A gente não via a hora de se livrar da obrigação. Em parte entendo o Dudu quando resolve cair fora.

- Mas o melhor eram as barracas da quermesse.

- É mesmo. Minhas favoritas eram as do tiro ao alvo e argolas. As prendas eram insignificantes, mas pra mim eram como se fossem troféus.
 
- E as barracas de comida! Ainda sinto o gosto daquele churrasco com o bife pingando dentro do pãozinho quente e crocante. Não tinha igual, só lá.

- Isso sem falar nos quitutes: bolo de fubá, pé-de-moleque, paçoca, milho, pipoca. Huumm, era tudo de bom!

- E o quentão que a gente tomava escondido dos irmãos pra eles não dedurarem pros nossos pais?

- Ah, aquele quentão com gengibre! Falando nisso, tem um cheirinho de quentão por aqui! Que tal a gente matar a vontade? 

Enquanto compravam a ficha do quentão, na outra ponta do pátio Alicinha, Leninha, Maria Rita acabavam de chegar pra ver a apresentação da Bia, filha da Val. Coisa mais cutecute a Bia de vestido rodado, tranças com laçarotes e rosto com pintinhas.

Alicinha, festeira como ela só, resolveu ir a caráter: camisa xadrez, bota, rabo de cavalo e chapéu de caubói comprado no ano passado na Festa do Peão de Barretos. Como sempre, chegou falando e gesticulando....

- A nona não perdia estas festas. Era devota de Santo Antonio, aliás o Santo mais festejado lá em casa. Tudo começava com as treze noites de novena até a benção do Santo e dos pãezinhos, nos moldes da velha tradição italiana. E vejam só no que deu, com tanta devoção na família, Santo Antonio parece nem lembrar de mim. Tenho certeza de que se a nona estivesse hoje aqui, diria: “E vocês meninas não pensam em casar não? Tá na hora de darem um jeito! De que adianta estudarem tanto e ficarem no caritó? ”

Foi uma risada geral. E ela continuou: 

- Não sei vocês, mas neste Dia dos Namorados sem namorado, resolvi ter uma conversa séria com Santo Antonio!

Abriu a bolsa e de lá tirou uns pequenos embrulhos.

-E não esqueci de vocês...
Dentro de cada pacotinho havia um pãozinho com uma pequena imagem do Santo.

- No último dia 13, fui até a Igreja de Santo Antonio, a mesma que a nona freqüentava, e peguei um pãozinho e um santinho bento, que é distribuído depois da missa, pra cada uma de nós. Agora é só fazer a simpatia da amarração, pra ver se ele dá uma ajudinha: “Santo Antônio, protetor dos enamorados, faça chegar até mim aquele que anda sozinho e que em minha companhia será feliz”, finalizou na maior animação.

- Ah, Alicinha não se usa mais isso, é piegas demais!, disse Maria Rita.

Ao que ela retrucou: - Como minha avó dizia: quem não se mexe, fica sozinha!

- É tudo superstição! Além do mais, eu e o Tavinho nem pensamos em casamento. E antes que você pergunte, ele não veio porque está em Piracicaba, retrucou Leninha.

- Superstição, ah é? Pois saibam que a nona me contou que se não tivesse amarrado Santo Antônio, teria sido mais uma moça no caritó. Com Santo Antônio não se brinca!

- Ah, que história é essa de caritó?, perguntaram as outras.

- Caritó, segundo uma vizinha da nona que era lá de Caruaru, e pra quem não sabe, é o lugar pra onde vão as mulheres que não casam. Tem até uma música:
Tira pó Vitalina bota pó/que moça velha não sai mais do caritó. Moça velha
quando vai pro forró/se agarra no caboclo feito cobra de cipó. Moça velha quando vai dançar tango/parece raposa saindo pra pegar frango. Moça velha quando vai se confessar/pergunta pro padre se é pecado namorar. O padre diz minha filha vá rezar/que moça velha não precisa se casar, tem mais, mas eu esqueci.

 
- Entendi. Caritó é a donzela que ficou para titia, disse Leninha.

E todas caíram na risada, enquanto Bia se preparava pra dançar quadrilha ao ritmo de Luiz Gonzaga...

Com a filha de João/ Antônio ia se casar/ Mas Pedro fugiu com a noiva/ Na hora de ir pro altar... (Benedito Lacerda e Oswaldo Santiago)

Val se aproximou e comentou com elas:

- Sempre gostei das músicas que tocam nestas festas em que a sanfona dá o toque... a gente começa a se sentir feliz e a dançar sem perceber.

Todas concordaram, enquanto se encantavam com a graciosidade da Bia dançando.

Na outra quadra, ao redor da fogueira, Dudu proseava com o amigo Beto.

- O fogo da fogueira esquenta a gente nesse frio, é tão gostoso! Sabe, teve uma vez, que a minha avó fez uma festa de São João na chácara, lá em São Lourenço da Serra. Ela enfeitou todo o lugar com bandeirinhas e fez uma fogueira enooorme, todo mundo ajudou procurando toras e gravetos. À noitinha quando o fogo tava bem alto, ela assou milho e pinhão na brasa quente da fogueira de São João. Nunca mais esqueci.

- Hoje é dia de São João?, perguntou o Beto.

- Não. É no dia 24. Sabia que ele é o Santo mais festeiro e comemorado do mês? Isso aqui é só uma preparação pra chegada dele. Dizem que ele também é um Santo casamenteiro, apesar de Santo Antonio levar a fama. Parece que São João ajuda as pessoas a acharem coisas perdidas, o professor de Ensino Religioso foi quem contou. 

- Enquanto Santo Antonio ajuda as pessoas a acharem os namorados perdidos, brincou o Beto.

- Eu vou aproveitar pra ver se no dia 24 encontro o meu chaveirinho da sorte do São Paulo, do Clube não do Santo, disse rindo.

- Boa! Se é assim, nesse dia eu vou aproveitar pra procurar o pen drive com o trabalho de Artes, senão vou ter que fazer tudo de novo, rrrrr.

Uns meninos se aproximaram do Dudu e disseram que ele estava preso. Enquanto era colocado na cadeia, o Beto se aproximou e perguntou:

- Quem mandou prender você?

- Acho que foi a Bianca.

- O seu par? Por quê?

- Sei lá. Tô vendo ela daqui com as amigas. Tão olhando pra cá e não param de dar risada. 

- Essas meninas são bobas mesmo.

Ao término da quadrilha da Bia, e com Santo Antonio bem guardado na bolsa, toda as tias foram tietar a menina.

- Agora eu quero ir na pescaria, disse a voluntariosa Bia.
 
Acontece que para ir até a barraca da pescaria era preciso passar pela do quentão. Foi quando Kaká e Maria Rita, para surpresa de ambos, se viram e cumprimentaram de longe, o que não passou desapercebido para Alicinha.

- Viu só como o Santo é milagreiro. Bastou colocar ele na bolsa pro Kaká aparecer na sua frente, se fizer a amarração entaão... sussurrou ao ouvido da outra.

Na pescaria cada uma pegou a vara de bambu pra tentar puxar o peixinho enterrado na areia. Desnecessário é dizer que inúteis foram as tentativas de Maria Rita, totalmente desconcentrada e descoordenada.

- Vixe, você é ruim mesmo tia, observou a pequena Bia que já colacionava três peixinhos de vantagem. 

E a música continuava tocando, enquanto o Dudu, já fora da cadeia, se preparava para a quadrilha...

Chegou a hora da fogueira/ É noite de São João/O céu fica todo iluminado/ Fica todo estrelado/ Pintadinho de balão.... (Lamartine Babo)

Quem olhasse com atenção poderia ver uma química interessante entre o Dudu e a Bianca enquanto dançavam na grande roça, capaz de explicar ele ter aceitado ser o noivinho e seu par e ela tê-lo mandado pra cadeia.

Coisas de Santo Antonio!

- Tia, eu vou dançar de novo no dia 29, você vem me ver?, perguntou Bia pra Alicinha.

- No dia de São João?

- Não tia, no dia de São Pedro! Ele é o guardião das chaves e portas do céu, sabia? Por isso é que ele fecha as festas de junho pra só abrir de novo no ano que vem.

- Olha Bia, de santo a Alicinha só entende mesmo é de Santo Antonio, disse divertindo-se Leninha.

- Pra quem não sabe, São Pedro é também o protetor das viúvas, acrescentou ironicamente a Val.

- Bom, por enquanto estou longe da proteção dele, emendou Alicinha.

Leninha ia dizer mais alguma coisa quando alguém a agarrou pela cintura. Ao virar-se encontrou o Tavinho que sorria encantado pra ela. Acabara de chegar de Piracicaba. 

- Olha mamãe eles tão se beijando!, observou a pequena Bia.

- E ainda tem quem duvide de Santo Antonio, pensou alto Alicinha. 

O alto falante passou a anunciar que haveria uma última quadrilha na noite, e que todos poderiam participar.

Não tardou, Maria Rita recebeu pelo Correio Elegante o convite: “Posso ser seu par na quadrilha?”; ao qual ela respondeu: “Te cuida, ou te ponho na cadeia!”.

Eu pedi numa oração/Ao querido São João/ Que me desse um matrimônio/ São João disse que não/ São João disse que não/ Isto é lá com Santo Antônio ... (Lamartine Babo)

Não, não pense que Santo Antonio esqueceu da Alicinha. Ele havia reservado uma surpresa pra ela...

Resignada por não ter um par pra dançar, Alicinha resolveu participar da corrida de sacos, onde cada jogador faz o percurso com o corpo enfiado num saco preso à cintura. Em pouco tempo a tresloucada ganhou a dianteira, até que num vacilo, tropeçou e caiu, levando meia dúzia de participantes com ela, que foram caindo feito pinos de boliche um a um sobre ela. Mico só!

- Ih,mamãe, a tia caiu!, disse às gargalhadas a Bia.

- Tô vendo, respondeu enquanto se recuperava da cena dantesca.

Alicinha estava possessa, e já começava a esbravejar quando uma mão que acabara de se erguer segurou a sua:

- Machucou?

A resposta estava pronta (isso é pergunta que se faça? sai pra lá que eu consigo levantar sozinha!), mas parou ao ver um par de olhos azuis fixos sobre ela. Agarrou-se ao braço estendido e ficou em pé.

- O chapéu é seu?, ela assentiu enquanto a mão daquele desconhecido o ajeitava em sua cabeça, que a esta altura parecia girar...

- Você tem par para a quadrilha?, fez que não com a cabeça. A falante Alicinha parecia ter emudecido com a queda.

- Talvez você prefira só assistir....

- Naaão, eu aceito ser seu par!!!

O balão vai subindo/ Vem caindo a garoa/O céu é tão lindo/ E a noite é tão boa/ São João, São João/Acende a fogueira/ No meu coração ... (Carlos Braga e Alberto Ribeiro) 

Enquanto dançava e rodopiava, Alicinha não deixava de pensar em Santo Antonio. “Sabia que não me abandonaria”, repetia feliz para si mesma.

Com a filha de João/ Antônio ia se casar/ Mas Pedro fugiu com a noiva/ Na hora de ir pro altar ... (Benedito Lacerda e Oswaldo Santiago)

A noite terminou com todos dançando no embalo de Paula Fernandes....




Dá ou não vontade de sair dançando?

Shadow/Mariasun Montañes



Licença Creative CommonsA obra A FESTA JUNINA DO DUDU E TODA A TURMA de MARIASUN MONTAÑÉS foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.
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