O ESPÍRITO DA COISA
Você sempre pega o espírito
da coisa? Geralmente o espírito da coisa é algo que
fica subentendido, só as almas atentas conseguem captá-lo. A verdade é que, em
um mundo cada vez mais pragmático, é difícil pegar o espírito da coisa, seja
que coisa for esta.
O que dizer então do espírito
do Natal? Antes ele entrava no ar assim que dezembro
iniciava. O espírito deste mês, para quem foi criança em outros tempos, era de
pura magia. O Natal, que demorava tanto para chegar, estava batendo à porta. “Quantos dias faltam, mãe?” “Agora
falta pouco, querida.”
“Quanto?” “Uns 20
dias.”
“Tudo isso?!!”
Mas a gente sabia que era pouco se comparado
à longa espera de um ano inteiro. Em maio, junho, julho, o Natal ainda estava a
perder de vista. Natal era o arremate do calendário, era a compensação por tanto
estudo e provas na escola, era o prêmio por termos nos comportado bem, era a
hora de colocar uma roupa bonita e ter algum desejo atendido, era hora de comer
umas delícias diferentes, de rezar, de acreditar em todos os sonhos. O céu
ficava mais azul, as estrelas se multiplicavam e nunca, nunca chovia em
dezembro. Então finalmente chegava o
dia 24. A empregada era liberada logo depois do
almoço, o pai voltava mais cedo pra casa e nenhum moleque reclamava de ir pro
chuveiro, até gostava. Já de banho tomado, era hora de esperá-lo. Ele. O
verdadeiro deus de toda criança, Papai Noel.
Hoje mal entra dezembro - e com ele,
trovoadas - e os shoppings lotam, o trânsito entope, os filhos pedem coisas
caríssimas e ganham antes mesmo da noite feliz. Comprar, comprar, comprar.
Você, meio sem grana, faz o que pode. Os outros, meio sem nada, você faz que
não vê. Mas eles estão entre nós:
crianças pedindo um lápis de presente, pedindo colchão de presente, sonhando
com o primeiro iogurte de suas vidas. E a gente voando de um lado para o outro,
sem tempo pra eles.
Isso tudo foi até ontem, quando dezembro
acabou. Ao menos este dezembro insensato, ansioso, consumista, ateu, que dura
24 dias febris, onde todos correm, todos estão atrasados, todos têm
compromissos inadiáveis. Uma amiga me escreveu no auge do estresse: “Pensar que o próximo será
só daqui a um ano é a melhor parte da história”.
Antes de começar a contagem regressiva para o
próximo, temos hoje. Temos este hiato, o dia 25.
Um feriado, um domingo, uma trégua. As lojas estão todas, todinhas, fechadas.
Sobrou alguma coisa da ceia para beliscar na geladeira. Você vai sentir sede de
suco natural, de água gelada. Vai colocar música pra tocar, vai vestir uma
camiseta limpa. Você não tem nada pra fazer, nenhum motivo pra tirar o carro da
garagem, nenhuma razão para procurar vaga para estacionar. Hoje você vai andar
a pé, no máximo de bicicleta. Vai falar mais pausadamente. Não vai ligar a TV,
prometa. Nem sei por que abriu o jornal. Hoje é dia de caminhar
devagar, de chinelo ou pés descalços. Dia de olhar bem fundo nos olhos do porteiro
que está trabalhando, do motorista de ônibus que está trabalhando, e desejar a
eles um Feliz Natal pra valer. Com sentimento. Um sentimento que não seja
medo nem angústia.
Paz.
É hoje o dia que nos restou
pra isso. Um dia para sairmos de casa apenas para ir
até alguém que nada possui e ofertar um pedaço de bolo, uma barra de chocolate,
um travesseiro, um sabonete, uma bola, qualquer coisa que signifique uma
verdadeira extravagância diante de tanta miséria. Terminou a histeria coletiva,
terminou a festa, terminou a semana. É hoje, antes que tudo
reinicie, que você poderá encontrar o verdadeiro espírito da coisa.
Não deixe que ele escape.
(Martha Medeiros)
Neste Natal descubra e abrace o verdadeiro presente
FELIZ NATAL
FELIZ NAVIDAD
MERRY CHRISTMAS!!!
FELIZ NAVIDAD
MERRY CHRISTMAS!!!
Shadow/Mariasun Montañés