O OUTONO DE ALICINHA
Há algum
tempo, Alicinha vinha vivendo seu outono. Não um outono real, de manhãs
frescas, pássaros cantando no jardim e brisa suave; mas um outono da alma. Aos
olhos dos outros, de suas primas Leninha e Maria Rita, ela ainda era a
primavera em flor, colorida, alegre, delicada..., mas lá no fundo, bem dentro
dela, sua estação era outra. Somente cada um sabe e conhece as nuances de seus
sentimentos e de sua própria história, não é mesmo?
Falo em outono,
porque ela vivia na eminência de algum grande sonho desabrochar ou inesperado acontecimento surgir, para
voltar a sentir a vida pulsar com intensidade. Logo ela,
amante número um da liberdade, da adrenalina em estado bruto, dos dias quentes de verão, passou
aos poucos a agendar adiamentos...
À espera do
que?
De uma
viagem? Da promoção tão esperada? De um novo amor? Da realização de um sonho? Quando? Como? Por quê? Aquele verão havia trazido mais perguntas
do que respostas. Parecia à espera de algo que lhe trouxesse a paz e a chave
mágica da felicidade... e nisso, os dias foram passando... enquanto uma
sensação de falta, insatisfação e ausência aumentavam.
Raras vezes,
Alicinha sentira isso. Ao contrário de Maria Rita, seu viver sempre fora mais
periférico, desencanado, inconsequente e imediatista.
De repente, é
como se tivesse sido sugada pela música da Rita Lee: “Levava
uma vida sossegada, gostava de sombra e água fresca, meu Deus quanto tempo eu
passei, sem saber...”, sendo afastada cada vez mais de sua zona de conforto.
Após
um longo período de reflexão, dias, semanas, meses, afinal, Alicinha se deu conta de que suas
perguntas nada mais eram do que o aquecimento para a reconstrução de algo maior
dentro de si mesma, do mesmo modo que, os dias, semanas, meses quentes de verão, são determinantes para
o amadurecimento dos frutos no outono. Sua liberdade ainda estava ali, chamando cada dia
para a metamorfose e a transformação, tal qual uma leve brisa soprando no rosto, indicando a direção.
Quando Alicinha se deu conta de que, assim
como as estações, a vida não admite acomodação, está sempre em constante
movimento e mudança, a vida começou a lhe dar respostas. Isso não é pouca coisa, não, exige muito de cada um, apesar de ser um processo libertador, assim como o amadurecer o é para os frutos, dói e exige olhar para a realidade com coragem, temperança e disposição, sem utopia. De nada adianta acelerar o processo de amadurecimento ou pretender colher os frutos ainda
verdes, pois, além de estarem duros e insossos, perderão o seu tenro e delicioso sabor.
Há um momento
certo na vida em que é chegada a hora de crescer e amadurecer para seguir em frente. Infelizmente, num mundo cada vez mais egocêntrico,
individualista e virtual, todos crescem, poucos amadurecem. Optam por ficarem presos e
acomodados ao seu verão de ilusões, fantasias e relacionamentos superficiais, sem correr riscos.
Amadurecer
é para todos? Sim, é o processo e ciclo natural da vida, assim como as estações
na natureza. Porém nem todos compreendem esse processo. Não é fácil passar por
essa transição: sair da casa dos pais, começar a trabalhar, administrar a
própria agenda, encarar as frustrações, lidar com a perda de um grande amor, constituir a própria família, abrir mão
das mordomias, tomar decisões, aceitar as próprias limitações, superar-se...
É
necessário assumir novos rumos; o nascimento e a morte, a cada nova estação.
Por ser um processo íntimo e solitário, uma vez que ninguém pode dar uma “mãozinha”
ou dizer qual é o melhor caminho a seguir, o processo torna-se ainda mais intrínseco e desafiador.
Alicinha
vinha ensaiando seus passos há alguns meses e, desde então, buscava estar em
contato consigo mesma todos os dias sem atropelar ou antecipar os resultados e acontecimentos, como
sempre fizera. É como se intuísse que somente assim, poderia tocar e realizar todo
o resto.
Nesse
processo, investiu suas economias num curso de aprimoramento, voltou a dar
palestras em sua área, adotou um cachorro e começou a caminhar com ele no
Parque do Ibirapuera; conheceu o Douglas que costuma correr por lá, parou de
tomar refrigerante e está bebendo mais água.
Com isso, o
inacreditável aconteceu. Passou a acordar duas horas mais cedo todos os dias
para caminhar no parque; a estudar, inclusive, nos finais de semana; tem ido ao
teatro com o novo "amigo", Douglas, já adicionado ao Facebook, abrindo novamente seu coração para o que vier; está sendo muito
bem avaliada no emprego, é... a promoção parece estar próxima; ao chegar em
casa, tem sempre alguém a esperá-la com muito amor e uma lambida no rosto...
e... o mais importante: reencontrou o seu eixo e foco, que antes pareciam ofuscados
pelo sol…
Pode-se dizer que Alicinha vive em plenitude o seu outono da alma... para ela, as folhas não caem, elas dançam ao redor das árvores... Essa é a mágica do outono!!!
Não adianta chamar
Quando alguém está perdido
Procurando se encontrar...
Procurando se encontrar...
Shadow/Mariasun Montañés