VERDADES SECRETAS
Na noite de ontem foi ao ar o último capítulo de VERDADES SECRETAS,
deixando um gostinho de quero mais. A expectativa do público quanto ao destino
de Carolina, Angel e Alex foi um dos assuntos mais comentados nas ruas e nas
redes sociais nos últimos dias.
A obra de WALCYR CARRASCO é a prova de que um bom roteiro pautado na
realidade, sem apelações ou maneirismos forçados, pode manter cativa a
audiência.
Os capítulos dinâmicos e intensos; as boas locações mostrando uma São
Paulo que não para, contemporânea e moderna; a qualidade estética das imagens com
efeitos de câmera e luz foram, sem dúvida, a consagração do diretor MAURO
MENDONÇA FILHO.
Na história de WALCYR CARRASCO a polêmica foi colocada no ar sem freios ou pudores, com o intuito de revelar
o mundo dos adolescentes, das drogas, da traição, das mentiras, do sexo
ocasional, da luxúria, do bullying, da prostituição, tendo como pano de fundo o
universo das modelos. Tudo tratado de maneira nua, dura e crua nos diálogos
fortes e na expressão do lado mais obscuro do ser humano, levado ao limite.
É difícil escolher o que a série teve de melhor. Foram vários os
momentos e destaques.
Uma das grandes contribuições das verdades não tão secretas do autor foi o modo como os
adolescentes foram retratados, muito distante dos jovens fúteis e plastificados
de Malhação. Angel (CAMILA QUEIROZ), Giovanna (ÁGATHA MOREIRA) e toda a galera
deram o tom ao enredo com sua forma transgressora, inconsequente, intensa e
abusada de encarar a vida. Personagens familiares a muitos pais e professores.
Arlete, a Angel, menina bonita de origem humilde, inexperiente e ingênua que chega na cidade grande, tem o
importante papel de revelar e denunciar que o abuso sexual não acontece apenas
de forma forçada, violenta ou agressiva, ele pode ser muito mais sutil, cruel e
devastador, quando acontece na esfera psicológica.
A cada capítulo fomos acompanhando a história da menina imatura de 16
anos, que acaba se envolvendo com o sedutor Alex (RODRIGO LOMBARDI); um homem mais
velho, maduro, experiente, charmoso, egocêntrico e inescrupuloso, que não mede esforços
para satisfazer seus desejos e caprichos. Ele não ama, ele compra as pessoas.
Frustração é algo que não faz parte do seu dicionário. Quando a frágil Angel se
vê diante da descoberta de sua sexualidade, do conflito entre o que é certo e
errado em confronto com seus valores e criação, dos seus sonhos de menina do
interior de casar e de ter uma família, de um relacionamento que a coisifica e,
da culpa interna, ela desperta e decide se afastar de Alex. Não aceitando a
rejeição, sem nenhum princípio ético, crítico ou moral, ele se aproxima da mãe
da menina, a ilude e casa com ela; Carolina (DRICA MORAES) uma dona de casa
carente, crédula, sensível, simples e recatada, que passa a acreditar novamente no amor. Terreno fértil para a mentira, traição, assédio, sedução e tensão.
Cercada de todas as formas pelo agora padrasto e da força sedutora e
opressora dele, Angel acaba sucumbindo e cedendo à chantagem, à pressão
psicológica e à atração física. Vítima, ela se torna cúmplice da mentira e da traição, permanecendo refém da culpa e da sua verdade secreta que a paralisa e
envergonha diante da realidade.
Guilherme (GABRIEL LEONE), jovem cheio de vida e com o futuro pela
frente, ele, representa o amor juvenil que evolui, cresce e amadurece: da
ficada inconsequente ao fascínio; da decepção ao descobrir
que a princesa dos contos de fada não existe, ao amor que sente a
ausência e a dor de quem se ama; que compreende, afaga, abraça e acolhe.
- Larga tudo agora, vem
comigo... Vem. Eu sei que a gente vai ser feliz, ele diz. - Agora é tarde, entende? É como se fosse
uma gaiola, e eu tô presa nessa gaiola, responde ela, traduzindo em palavras
o aprisionamento e a angústia do abuso sexual e psicológico ao qual é submetida pelo Alex.
Magistral!!!
WALCYR CARRASCO não parou por aí. Expôs de forma contundente,
corajosa e realista o lado obscuro de cada um de nós, que contrapondo-se ao lado da
riqueza, do glamour, do sorriso fácil e das aparências, pode se revelar nos momentos de fragilidade, desesperança, abandono, falta de perspectiva
na vida, desamor em família e levar os mais vulneráveis ao submundo das
drogas, muitas vezes, um caminho sem volta.
A brilhante e
surpreendente atuação de GRAZI MAZZAFERA no papel da modelo em decadência,
Larissa, nos fez olhar com sensibilidade e olhos críticos para a Cracolândia,
uma terra de espectros humanos, vagando em frangalhos e desorientados pelas
ruas, vendendo seus corpos, roubando, sendo violentados sexualmente, que lentamente vão perdendo
a identidade até não lhes restar mais nada, nem mesmo a dignidade,
tudo por uma pedrinha de crack.
O coração vai
ficando apertado, à medida que o público acompanha a transformação e degradação
não apenas moral, mas física, da bela e exuberante modelo até chegar a
se tornar um farrapo humano, esquálida e desgrenhada. Emblemática é a cena em
que diante do espelho de uma loja, irreconhecível, não se reconhece mais.
- Essa aí sou eu? Sou eu?, questiona incrédula para si mesma sem aceitar
o que vê, enquanto flashes dela desfilando na passarela se sucedem. Não,
essa não é você, o público em choque é induzido a responder.
Paralelamente, é possível acompanhar a história de Bruno (JOÃO VITOR
SILVA), jovem de família rica e desestruturada, carente de pai, tímido,
recatado, romântico, despreparado para os “nãos” e golpes que a vida pode dar. Apesar
de distante da Cracolândia, começa a ver nas drogas a válvula de escape para
suas angústias, carências, desilusões, revolta, frustrações e incertezas da juventude. A
necessidade o faz mentir, roubar dinheiro e joias da mãe para comprar cocaína; entorpecido e dependente só quer saber de “voar” mais e mais alto, consumindo cada vez mais drogas, até o físico não suportar, entrar em falência e em estado de coma por overdose na
frente da mãe, Pia (GUILHERMINA GUINLE).
A redenção de Larissa e Bruno segue diferentes caminhos. Ela por
meio da fé que fortalece, ele, por meio da clínica de reabilitação e da terapia
que faz renascer. O primeiro passo? Para ambos o medo da morte. Ela após um
estupro coletivo, ele após a overdose. Não há o segundo passo, se não existe um
resto de força interior para optar pela vida. É preciso querer mudar ou, então,
sucumbir. Essa é a mensagem do autor. O contraponto está na cena de Larissa
entregando um lanche ao faminto Roy (FLÁVIO TOLEZANI) que sujo, machucado,
andando sem forças e arrastado, ausente, sequer a reconhece enquanto caminha em
direção ao vazio, ao nada... para o fim certeiro. Aliás, merece destaque a
impressionante atuação de FLÁVIO TOLEZANI. Um grande ator, sem dúvida.
Bruno em uma única frase resume bem o processo de superação de quem é
viciado em drogas: - Eu preciso aprender a
lidar com a minha dor...
Não há verdade mais certeira. Para viver é preciso saber lidar com a dor que é
o viver.
Em meio a essas histórias entrelaçadas, capítulo a capítulo o público
ficou se perguntado como Carolina e Pia foram incapazes de ver a verdade
secreta escancarada, que estava ali tão perto delas. Talvez quem melhor tenha expressado o que é o coração de uma mãe, tenha sido a própria Carolina. Após
saber que Bruno usava drogas, ela diz à filha:
- Dizem que o
amor de mãe é cego. Que a gente vê as coisas, mas não enxerga. Deve ser verdade,
pondera ao refletir sobre o assunto, e acrescenta: - Olho pra você e vejo a menininha inocente que brincava comigo.
Ainda te chamo de Letinha, chamava assim quando você era bebê...
Primoroso!!!
Tem um ditado que diz :“Há um
filho perfeito no mundo e todas as mães o têm”. É assim porque os olhos das
mães enxergam com a alma e perdoam com o coração.
Mas, o verdadeiro segredo, é que não existem verdades secretas para uma
mãe, existe a negação. Isso é revelador, quando no último capítulo, Carolina
diz:
- Estava tudo na minha frente, vocês dois. Eu
olhava, mas não queria enxergar. Teus olhares para ela, os olhares dela para
você. Tinha um clima, eu senti o clima. Não sou burra. Eu não queria acreditar
naquilo que no íntimo já sabia, mas não queria dizer para mim mesma…
E a seguir arremata: - Queria acreditar que uma coisa horrorosa
dessas é impossível de acontecer. Isso não existe, eu queria acreditar nas
pessoas que eu amo, na bondade das pessoas...
Contundente e genial do começo ao fim. Sem
dúvida alguma, VERDADES SECRETAS entra para a história da teledramaturgia
brasileira com louvor. Não pela polêmica do "book rosa, cenas de nudez e sexo, mas, pelos temas abordados com maestria. Será difícil supera-la.
Parabéns ao WALCYR CARRASCO, ao elenco, boa parte dele com interpretações memoráveis, MAURO MENDONÇA FILHO e toda a equipe
pelo conjunto da obra.
Shadow/Mariasun Montañés