Imagine todas as pessoas, partilhando todo o mundo
Você pode dizer que eu sou um sonhador, mas eu não sou o único
Espero que um dia você se junte a nós, e o mundo viverá como um só.
(John Lennon)
Imagine todas as pessoas partilhando o
mundo, um mundo sem países e sem fronteiras....
Há 59 anos a Europa, essa "velha senhora", dava um grande passo rumo à globalização. Fincava suas raízes para construir novos alicerces na economia do mundo contemporâneo. Parecia ter pressa para chegar ao século
XXI.
Após o fim da “Belle Époque”, de
duas Guerras Mundiais, da Guerra Fria, alguns países europeus (Alemanha Ocidental, Bélgica, França,
Itália, Luxemburgo e Países Baixos) deram os primeiros passos para
o início de uma cooperação mútua, estabelecendo as bases do que viria a ser a Comunidade Econômica Europeia ou
Mercado Comum Europeu.
Nos anos 60, ao som dos Beatles, época marcada
pela revolução cultural e o conflito de gerações, a Comunidade Europeia experimentava um grande
crescimento econômico com acordos comerciais e isenção de tarifas entre os
países do bloco.
Em 1973, a Dinamarca, Irlanda e a Inglaterra acabaram aderindo ao próspero
mercado da União
Europeia,
aumentando o número de seus Estados-Membros para nove. Enquanto isso, em Portugal o regime
de Salazar caía, a Espanha anunciava a morte do Generalíssimo
Franco, marcando assim o fim das últimas
ditaduras de direita no continente europeu.
Na década de 80 a Europa assumia protagonismo e
uma nova fisionomia com a Queda do Muro de Berlim, em 1989; as duas Alemanhas se reunificaram,
voltando a ser um único país, enquanto outros países, como Grécia, Portugal
e Espanha, passavam a integrar o bloco econômico.
Nos anos 90, com a derrocada do comunismo na Europa Central e Oriental, a "velha senhora" se aproximou ainda mais dos europeus, até que, em 1993, vencendo as barreiras econômicas, concluiu o audacioso projeto do Mercado Único, com a livre circulação de
mercadorias, de serviços, de capitais e de pessoas.
Os líderes europeus faziam história ao apostar no sonho de John Lennon, nos
fazendo crer que seria possível viver num mundo multicultural e multirracial, sem fronteiras entre os cidadãos e onde até a moeda poderia ser única, símbolo maior da homogeneização
do mercado.
No dia primeiro de janeiro de 1999, enquanto a Revolução Digital surgia
para encurtar distâncias, o euro tornava-se a nova moeda de muitos
europeus.
Foi assim que a Europa conseguiu
passar a limpo os
valores que haviam sido perdidos na primeira metade do século XX com o
nacionalismo e o socialismo, e, que culminaram nas guerras que devastaram todo
o continente.
Os olhares perplexos e atentos do mundo
se voltaram mais uma vez para o velho continente, que naquele momento abria um novo e importante capítulo na
História do homem.
Alguns viam aquilo com admiração,
outros, com espanto, e, os demais, com descrença. Como fica a soberania dos Estados? E a
moeda de cada país? Questionavam os mais pessimistas.
O tempo mostrou que nesses 59 anos o
Bloco Europeu resistiu às crises e às previsões mais catastróficas. A Alemanha e a França surgiram nos
últimos tempos como grandes articuladores diante das dificuldades econômicas da
Grécia, da integração dos países do leste europeu e da região dos balcãs, do
terrorismo islâmico, da crise dos refugiados sírios e da torcida daqueles que
sempre torceram "contra".
Se há algo que é indiscutível é que a Europa de hoje não é a mesma de ontem
e nem a que será amanhã...
A única certeza é que o continente
europeu, como na época dos grandes
descobrimentos, continuará
mirando para o futuro.
O mundo gira, dá muitas voltas, é
incerto e nada perfeito.... A História tem nos mostrado isso: A Guerra Fria que era para fortalecer
a URSS, acabou fortalecendo os Estados Unidos; a globalização que criou a união dos
países, também fomentou a desunião; o comércio mundial é tangível, um Estado Mundial não.
E, no amanhecer de mais um dia,
ontem, 24 de junho
de 2016, durante os
festejos de São João por aqui, lá
na Europa,
abriu-se mais um subtítulo no denso capítulo da União Europeia, com a vitória do “Brexit”, selando a saída do Reino Unido da
Comunidade, 43 anos após o seu ingresso.
Os ingleses.... aaaahhh... os
ingleses....
Uma histeria em massa parece ter
tomado conta dos especialistas e noticiários pelos quatro cantos do mundo
diante do resultado do plebiscito. Os pessimistas de plantão não tardaram a
anunciar é o “fim
da globalização”,
ou pior, “o
fim do mundo”,
o “apocalypse
now”.
Haverá
motivo para tanto escarcéu?
Não, claro que não. O mundo não acabou. Fato. Apenas a Grã-Bretanha decidiu seguir
em frente sozinha.
A verdade é que a Inglaterra apesar de fazer parte da União
Europeia,
ela nunca
esteve presente em essência,
tanto é assim que não adotou o euro como moeda oficial e nem assinou o Acordo
de Schengen, permitindo a livre circulação de pessoas através de suas
fronteiras. Sempre deixou claro que sua soberania
estava acima dos interesses do bloco econômico e que não se submeteria às decisões de Bruxelas.
O
resultado de ontem ratificou isso, apesar de revelar ao mundo a existência de “duas
Inglaterras”:
a Inglaterra monárquica e a Inglaterra contemporânea; a Inglaterra de uma terra soberana
que defende a tradição e sua herança cultural, e, a Inglaterra que olha para o futuro
na busca de oportunidades, da permanência e integração com um mundo moderno cada vez mais interdependente.
Para aqueles que votaram “sim”, pela saída, a União Europeia é vista como um entrave à
liberdade, um risco à identidade nacional, um aparato para a regulação do
mercado e uma ameaça à segurança e ao emprego. O que tem como pano de fundo a imigração e o sentimento dos ingleses de
estarem pagando uma conta muito alta por conta dos imigrantes, que ao chegar ao
país, passam a viver dos benefícios do governo e lhes tiram ou ameaçam o emprego.
Para aqueles que votaram “não”, pela permanência, a União Europeia representa o
crescimento econômico, o caminho para o fortalecimento da Europa e do Reino Unido, a abertura
para o intercâmbio cultural com outros povos e para novos mercados e oportunidades de trabalho.
O que diria o estadista
Winston Churchill a esse respeito?
A bem da verdade, em sua época, ele foi o grande fiador da União Europeia. Diante de uma Europa destruída após a
Segunda Guerra, quando a
França e a Alemanha firmaram o tratado do carvão e do aço, ao qual acabaram aderindo outros
países para formar a Comunidade Europeia, Churchill disse acreditar que a Europa
somente se reergueria a partir dessa união. Foram suas palavras:
“Existe um remédio que..., em poucos
anos, poderia tornar toda a Europa... livre e... feliz. Trata-se de reconstituir a família
europeia ou,
pelo menos, a parte que nos for possível reconstituir e assegurar-lhe uma
estrutura que lhe permita viver em paz, com segurança e liberdade. Devemos criar uma espécie de Estados
Unidos da Europa”.
Apesar disso, a Inglaterra só aderiu à União Europeia na década de 70, por absoluta necessidade e
interesse econômico.
Ontem, os ingleses – divididos -
pediram para sair.
A opção, no entanto, parece ter sido
motivada muito mais por uma
disputa interna do partido conservador e de uma leitura distorcida da realidade, inclusive, quanto ao retorno
econômico que o fluxo migratório traz para o país e de uma teoria conspiratória
sobre a criação de um governo mundial sediado em Bruxelas, que colocaria em
risco a soberania e as liberdades individuais, o que não passa de um factoide.
Tanto é assim que os mais jovens e mais liberiais votaram pela
permanência (64%
dentre 18 e 24 anos e, apenas, 33% na faixa dos 50 a 64 anos), assim como, Londres (60% dos londrinos), cidade cosmopolita e centro de
importantes negócios.
Para os jovens britânicos o resultado
de ontem foi frustrante e desastroso. Muitos
deles responsabilizam os mais velhos de haverem decidido sobre o seu futuro,
tirando-lhes o direito de viver e de trabalhar em 27 países. Disse um deles ao
Financial Times:
“Nós nunca conheceremos a extensão da perda de oportunidades, amizades,
casamentos e experiências que serão negadas. A liberdade de movimento nos foi
retirada pelos nossos pais, avós e tios em um golpe contra uma geração
já afundada nas dívidas da geração anterior. Talvez mais importante, vivemos em uma sociedade pós-factual em que fatos se revelaram
inúteis ao se confrontarem com mitos".
O mais curioso é saber que se
houvesse um segundo
turno... hoje, o resultado poderia ser outro.... ainda mais após a impactante e
negativa reação em cadeia dos mercados do mundo.
É possível que, analisando as
consequências, alguns dos que votaram pela saída, passadas apenas 24 horas, votassem pela permanência.
O que ganhou a Inglaterra com a sua saída
da Comunidade Europeia? Nada.
Economicamente, Londres corre o risco de deixar de
ser o centro financeiro
europeu, com investimentos
de grandes corporações sendo transferidos para outros centros. Isso sem
se falar no mercado
consumidor do Reino Unido,
que por ser pequeno, não conseguirá absorver a produção excedente que antes era
absorvida pelo mercado europeu, com reflexo e consequências diretas em sua economia interna.
Por sua vez, politicamente, perderam o bom governo do Primeiro
Ministro, David
Cameron, com sua visão
positivista, moderna e inclusiva da Grã-Bretanha. Quem será o seu sucessor? Boris Johnson?!?
Será muito difícil também explicar à Irlanda do Norte porquê a separação da
Inglaterra da União Europeia é viável, e, a da Irlanda do Reino Unido não.... ou....
conter o ímpeto dos escoceses pela independência, haja vista que
no plebiscito de 2014, decidiram pela permanência da Escócia no Reino Unido
para terem acesso à União Europeia. E agora?
Será o fim da União Europeia ou... do Reino Unido?
E quanto às propaladas liberdades
individuais, algo irá mudar?
O fato é que a liberdade individual
dos britânicos nunca esteve ameaçada. Aliás, a Inglaterra sempre estabeleceu de forma
clara e soberana os seus limites à União Europeia, e nunca se sentiu abalada
pelos “burocratas
de Bruxelas”, como
os discursos mais inflamados tentaram fazer crer. Tudo não passou de uma campanha
ideológica conduzida pela extrema direita conservadora.
O certo é que a Inglaterra nos próximos dois anos terá que administrar os problemas que ela mesma criou para si: concretizar e viabilizar a sua
saída do bloco econômico, ratear a conta e as perdas entre os cidadãos mais
jovens e produtivos e conter os movimentos de independência dos países constituintes do Reino Unido, que optarem por permanecer na União Europeia.
E quanto à União Europeia?
God Save the Queen!!!
Shadow/Mariasun Montañés