DA SOLIDÃO À DEPRESSÃO NA TERCEIRA IDADE
Lidar com a passagem do tempo talvez seja o grande desafio
do ser humano.
A criança deseja acelerar o relógio para crescer rápido, o
jovem deseja pular essa etapa para ser tratado como adulto e o adulto deseja
parar o tempo para não envelhecer. Estamos sempre lutando contra o tempo, suas
imposições e caprichos.
Tempo... tempo...
tempo... de fato és o senhor do destino...
Gostaríamos de ter mais tempo para fazer as coisas que nos
dão prazer. Reclamamos porque aquele momento tão esperado tarda a chegar, ou,
porque ele passou rápido demais. Adiamos projetos e sonhos à espera do momento
ideal... que nunca chega...
Até que, num certo dia, o tempo decide impor-se sem evasivas ou
rodeios...
Os olhos começam a ficar embaçados. As pernas não correm
mais como antigamente. A audição diminui. As mãos ficam trêmulas. O passado insiste
em voltar na forma de lembranças. A memória recente falha. Os filhos dão adeus
aos pais. Os amigos adoecem e se vão. A aposentadoria chega... A nostalgia e o
torpor se instalam.
De repente, a epifania e a certeza de que não adianta fugir
do tempo. Ele sempre nos alcança e não poupa ninguém da sua passagem, do
envelhecimento, das perdas e dos lutos. Talvez a perda mais dolorosa, seja a
sensação de estar perdendo o controle do próprio corpo e de si mesmo.
Como lidar com a passagem do tempo?!?, eis a questão.
As limitações físicas, a aposentadoria, a perda de entes
queridos, a autonomia dos filhos, as separações, o
sentimento de incapacidade, a ausência de perspectivas no presente e do futuro, para alguns, podem se transformar em sofrimento
e dor.
De um dia para o outro, ao acordar, a pessoa não se reconhece
mais, sente-se estranha em seu corpo, em sua casa e no mundo que a cerca. Começa
a perder o ânimo e a alegria de viver. Diante desse limiar de tormento e
desorientação, encontra no isolamento e no afastamento social, um refúgio seguro.
Nesse retiro auto-imposto, perde o interesse de encontrar
os amigos; coloca o telefone no mute;
deixa de se cuidar; abandona as coisas que antes gostava de fazer; não quer
sair do quarto, que por sinal está uma bagunça; dorme em demasia ou tem
dificuldade para dormir; apresenta distúrbios alimentares; sente imensa
tristeza e uma angústia difusa que a sufoca. A vida perde o prazer. Quando isso
persiste por meses ou anos, a infelicidade sem fim e a solidão dão lugar à depressão.
Esse transtorno pode atingir as pessoas em qualquer idade,
inclusive, as da terceira idade.
No entanto, há de se notar, que as mudanças de comportamento, de humor e
isolamento, daquele que já passou dos 60 anos, podem ser vistas e confundidas pelos
filhos e os mais próximos, como processos naturais do envelhecimento,
retardando a atenção, ajuda e o tratamento que ele necessita.
Essa incompreensão dos outros, diante da dor e do sofrimento
que a pessoa sente, apenas contribui para aumentar a sua visão patológica e
distorcida do mundo e de si mesma, alimentando e agravando o seu abatimento e
tristeza.
Quando alguém nesse estado, diz: “que a sua vida não tem mais sentido”, “que a sua presença é um peso
para os filhos”, “que a sua morte seria um alívio para todos”, “que não se
sente amado”, é preciso prestar atenção ao que ele está querendo dizer.
Muitas vezes, isso é um pedido de ajuda.
A depressão é uma doença da alma, que afeta significativamente
a saúde mental e física.
Ela consiste em remoer as dores do passado, remexer em
feridas cicatrizadas, paralisar diante do medo da morte e do desconhecido, martirizar-se
com uma constante sensação de incapacidade e de abandono, que faz a pessoa ir definhando lentamente
a cada dia.
Diante desse estado emocional de desânimo e desesperança, o corpo reage não apenas com alterações do sono, mas, com a queda do sistema
imunológico, ficando ela vulnerável aos processos inflamatórios e às doenças, psicossomáticas ou não. O
maior fator de risco nesses casos são as cardiopatias e as doenças respiratórias, que podem levar à morte.
Por essa razão, a depressão deve ser tomada a sério. Ela não
é algo banal ou uma forma dramática de chamar a atenção dos outros sobre si.
Ela é um sofrimento real, dilacerante, que muitas vezes necessita da
intervenção de um médico e de tratamento.
O suporte da família e dos amigos, em especial, dos filhos, é fundamental e
indispensável nesse momento. É preciso entender que, aquele que sofre e é
prisioneiro da depressão, necessita de apoio externo para reencontrar-se e adaptar-se
às mudanças que o tempo trouxe e a realidade impõe.
A depressão é tratável. O caminho está em auxiliar a pessoa
a sair do estado de torpor, abatimento e solidão em que se encontra, para que
ela consiga e se sinta estimulada a tirar da gaveta os sonhos por anos acalentados; encontrar
novos hobbies e atividades que lhe tragam prazer; começar novos cursos e
aprender coisas novas que a estimulem e motivem; praticar exercícios físicos,
dançar ou cantar num coral, ações que a ajudem a recuperar o bem-estar e o equilíbrio
emocional... indo ao encontro daquilo que foi adiado por toda uma vida. Esses
são os remédios mais eficazes contra os estados depressivos.
Afinal, envelhecer nada mais é que do que aceitar o tempo e
vivê-lo em sua plenitude.
Há quem conte o tempo pelos aniversários, calendário,
ponteiros do relógio, perdas, lutos, espelho - onde as rugas e os cabelos
brancos refletem sua passagem e o passar dos anos. Há, porém, quem o conte por
meio das viagens realizadas e as que pretende realizar, número de amigos que
tem e os que ainda terá, amores vividos e as diferentes formas de amar,
passeios inesquecíveis e os que estão por vir, sonhos concretizados e os que
pretende concretizar. Em qualquer caso, o tempo passou, mas - no segundo - de
uma maneira mais viva e intensa, menos triste, solitária e sofrida. Cada
momento vivido deixa a sua marca não apenas no tempo, mas no corpo e na alma. Afinal... razão tem quem diz que:
“Não
é o tempo que passa por nós, somos nós que passamos no tempo...”.